Desabafos nas margens de um rio sossegado, com um copo de vinho na mão, e na companhia de um mês de maio que ainda ensaia a primavera…


A prudência impõe telhados aos beijos, privando-os do céu e do luar. E os telhados, tal qual o chão firme, são os maiores obstáculos para quem ambiciona crescer para lá do presente de um qualquer instante.
A vaidade impõe a aparência de capas sobre capas, para que, tal como acontece com as cebolas, alguém acabe a chorar perante o gosto amargo e pobre da essência real de que não cuidámos e que guardamos dentro.
A cegueira ideológica, corporativa, religiosa, partidária... mais cedo ou mais tarde acaba por nos reciclar em autoclismos, com a heroicidade e a inteligência do pensamento a serem substituídas por descargas de água sobre os dejetos arremessados por comportamentos imbecis para os quais temos trancados os olhares e o sentido crítico.
As operações plásticas disfarçam a idade, mas assaltam-nos a história, roubando-nos a possibilidade de nos rirmos com a vida e a cara toda.
As injustiças provocam úlceras quando acumuladas no estômago, os joelhos em reverência, apoiados nas pedras lascadas pela incompetência, acabam feridos, doridos e a verterem sangue.
Quem abdica dos seus critérios e não afia as facas que cortam as relações tóxicas, talvez consiga manter-se muito popular, mas fica com mais dificuldade em cortar o pão que alimenta, e efetivamente sossega o corpo e a alma.
Eu transporto em mim mil vontades de ser feliz, tantas quanto os bagos grenás de uma romã madura que estala a sua própria pele, só para que não lhe falte o sol.
E as vontades convocam as palavras para que o sangue não fique atordoado pelo seu próprio grito, enquanto oferece aos músculos um impulso intenso de liberdade.
Sem capas, prudências ou plásticas, e sempre para lá de um modo suficiente de existir.

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