Não existe viagem que não seja para chegar a casa…


Quem é do campo e desfrutou de andar descalço, sabe ler os instantes em que a terra reza, para que o Céu, que em si mesmo é generoso, possa acudir-lhe sem demora, e matar-lhe a sede.

De um modo suave, com a tranquilidade própria de uma sexta-feira à tarde, intrometo-me neste diálogo, cruzando o altar informal que é o Alentejo.

Para chegar a casa, porque não existe viagem que não seja para chegar a casa, ainda que às vezes, os nossos passos se dirijam para os antípodas do sítio que tem um telhado a proteger-nos o leito, as pantufas e a escova de dentes.

A nossa morada anda rabiscada em tantos e tão díspares lugares, sendo imperioso, tantas, e tão dolorosas vezes, irmos até lá para que se dissipem as dúvidas e afinem as coordenadas.

Tenho inveja do gato e saudades dos dias sem máscaras, e de quando os lábios partilhavam o seu deleite, ou não, com as palavras, embrulhando-as com a festa ou o vazio que a alma lhes ditava.

Tenho saudades do bom senso, da lucidez da partilha, e dos traços de humanidade afinando abraços para lá das diferenças que nos fazem... e que tão bem nos fazem.

A liberdade agoniza nas “fortalezas de intolerância” do extremismo ideológico.

Cruzando o altar, intrometo-me ainda mais na prece da terra e rogo ao Céu, que venha depressa matar-me a sede destas tantas saudades.

E sem demora, entendo-O na mensagem: as mãos que rezam, verdadeiramente, são as que sabem carregar tijolos, construindo abrigos para a água que escorre dos beijos, das palavras e do olhar de alguém, em albufeiras privadas à superfície de cada instante.

Continuamos a morrer de sede, porque estas águas não se retêm, e apenas passam, escorrendo por nós até não sei onde.

Chego finalmente a casa, abro a porta e beijo a minha mãe.

As saudades do meu pai doem tanto nesta hora de chegar...

Mas tenho beijos que guardei, milhões de beijos com que vou matando a sede… e alimentando a esperança.

E invejo os gatos.

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