Afinal coube tudo numa só noite
A fé, tomamo-la das estrelas com que o céu nos enfeita
a noite, ou então das luzes que, generosamente, alguém vai acendendo sobre a
nossa cabeça.
No tempo dos meus bibes de xadrez e dos calções de
pano, o tio Zé e a tia Joaquina, levavam-me a ver os arraias ao redor de Vila
Viçosa, as "luzinhas", sob as quais comíamos uma fartura, comprávamos
uma rifa, tentando a sorte, e falávamos sobre os golos do Eusébio.
Mesmo com o meu pai Sportinguista, foi assim, e por
eles, que eu nasci para o Benfica.
Não me recordo de ser eu sem sentir o Glorioso.
Ontem, sob o céu de Lisboa enfeitado de estrelas e lua
cheia, fui da Luz até ao Marquês para celebrar o tetracampeonato, levando
comigo toda essa gente grande, os meus heróis, a minha gente da pátria da fé.
O tio Zé finalmente celebrou um tetracampeonato, e
logo assim, a brilhar sobre Lisboa.
Cumprindo todos os sonhos, estive ali com todos os que
me fizeram Benfica, envoltos num mar vermelho, e explicando ao mundo que
lampião, sim, isso mesmo, lampião, é ser gente que acendeu a esperança e tem
sina de campeão.
Também no tempo do bibe de xadrez, quando a Tonicha e
a Simone ganhavam o festival, eu juntava-me com os meus amigos no celeiro do
Senhor Domingos e brincávamos à Eurovisão.
Ainda não entendíamos bem os poemas do Ary, mas
pressentíamos-lhes a fé, algures entre a Desfolhada ou o Portugal no Coração.
Fizemos subir balões, fomos à tourada vestidos de
mosqueteiros, cantámos o silêncio, falámos muito e não dissemos quase nada num
estranho dai-li-dou, mas ninguém parecia querer entender-nos neste nosso
grande, grande amor.
Na noite de ontem, os acordes simples de uma canção
com um poema na língua de Ary e perfumado pela voz de um rapaz simples, como
usa ser a gente grande, fizeram acordar finalmente a Europa, que nos deu todos
os 12 pontos que lá tinham guardados.
Telefonei ao João Paulo e vi o Juan Blas numa chamada
no Watshapp. Para nós que sempre sonhámos, este serão sabe a mel.
É da nossa idade, este sonho de Portugal vencer a Eurovisão.
Às duas e meia da manhã resolvo finalmente ir dormir.
Já revi os golos do Benfica, não sei quantas vezes ouvi o Salvador Sobral, e vi
todos os programas em directo do Marquês.
Ainda espreitei as estrelas antes de fechar a janela.
Afinal coube tudo numa só noite.
São incontáveis as coisas que se podem ajeitar nas
noites de quem não permite que o tempo lhes desmanche os sonhos de rapaz.
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