Enquanto espero que Abril floresça…


Há muito poucos dias entrei no Panteão Nacional. Parei o carro no Campo de Santa Clara, andei entre tuk-tuks, tomei a bica num café dinamarquês, e esperei depois na fila, calmamente, para poder comprar o bilhete.
Os estrangeiros buscam a varanda e o Tejo, muito mais do que qualquer memória dos lusos heróis, e por isso, caminhei sozinho entre os túmulos “daqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”.
Sophia repousa em frente de Eusébio, e ali no meio, eu estou entre o sagrado repouso das mãos que ofereceram letra à maior e melhor poesia da alma, e os pés, que em gestos aparentemente simples e banais, semearam gritos de festa e orgulho na alma de um povo que forçavam a ser pobre e triste.
A semana arrasta-se entre tormentos e azias, navegando entre os únicos cabos que restam, os das vassouras e dos trabalhos, em caravelas atafulhadas de influências para cumprirem a vaidade.
A guerra é o desfecho natural da entronização da imbecilidade, e é aroma da indiferença dos que dançam, levianamente, sobre o terreiro onde sepultaram os heróis.
Com as coordenadas aqui tão perto, a gritarem justiça e liberdade desde o lado mais bonito da História.
Preparo-me para sair do Panteão, após uma visita rápida.
Um Português não precisa de subir à varanda do panteão para sentir o mar, porque relê Sophia na memória, e pode treinar a liberdade num golo de Eusébio, enquanto espera por Abril.
Na rua, reparo nas chaminés de um navio, que desde o Tejo, se sobrepõem aos telhados da cidade. É abril, onde já se pressente a liberdade, e Lisboa é toda ela, mar.
Por entre a brisa quente, sou beijado pelas palavras da poesia: “A minha vida é o mar o abril a rua”.
Regresso ao carro por entre o doce cortejar que Lisboa dedica ao sol, sem me aperceber que a esperança é a forma mais simples, mas mais completa de rezar, e esperar que Abril floresça é uma forma de não o deixar morrer.

 

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