O homem e a árvore que fala


Num dia de Abril de um ano qualquer, o homem sem pressa e sem idade, varreu as palavras avulsas que estavam espalhadas no chão de um velho telheiro, juntou-as todas, colocando-as de seguida, na terra fértil que um dia herdara da sua família. Era numa planície imensa, e nas margens da mais generosa das ribeiras.
A vida emerge da esperança, muito mais do que da água ou da fertilidade dos elementos físicos da terra, e por isso, não se surpreendeu, o homem, nem ninguém, quando das velhas palavras surgiu uma árvore frondosa, que lhe ofereceu a alegria de uma sombra imensa, verdadeira bênção da história para os dias mais quentes do ano.
Os “milagres” são consequências da confiança, porque só esta permite ultrapassar tudo aquilo que se julga impossível.
Por ali, sob a copa da árvore, passou a sentar-se, sossegado, o homem, tomando a paz dos entardeceres, e chamando também os amigos, muitas vezes, para juntos saborearem, alegres, e pela noite fora, os frutos desta sua árvore favorita: as maçãs amadurecidas pela primavera.
Às vezes, nos dias frios, desta árvore caiam pedaços secos do seu tronco, que o homem usava para acender o lume, partilhando depois as brasas pelos que moravam perto. Sem dar-se conta, perfumava a chaminé dos vizinhos com a fé de um aroma mais requintado e divino que o próprio incenso.
Descobriu, o homem, em dada altura, que o vento atravessando a folhagem da árvore, contava histórias que ele foi recolhendo e guardando no peito, escrevendo-as depois, nos dias em que tinha mais tempo.
Não há silêncio nem solidão que sobrevivam na alma de quem junta palavras e as semeia na “terra” fértil.

 
(Para esta história agradeço as dicas dos meus amigos Lavínia Bacalhau, São Casco, Mena Rosa, Manuela Barreiros, José Barreiros, Luísa Valente, Zinha Duarte, Guilhermina Sousa e Madalena Barros).

 

 

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