O sol...


Na manhã azul de Dezembro, o sol nasceu com a convicção de derrotar a intensa geada, que por ora, pelas oito, ainda oferece uma vítrea cobertura às ervas que habitam de um e outro lado da estrada.
É com o sol que entretenho o pensamento, e por isso estranho o frio quando chego finalmente e saio do carro, caminhando sozinho, e por entre folhas de Outono, até à capela que hoje me serve de destino.
Passei há pouco à porta da casa do Zé e estranhei o silêncio, não conseguindo estancar a saudade.
Porque é que eu não vim até cá mais vezes? Porque é que só hoje consegui encontrar tempo na agenda?
Definitivamente, os amigos não são gente para adiar, e o Zé repousa agora com o rosto em sossego, naquela capela fria com o altar a oriente, por onde o sol entra de forma intensa através de uma imensa janela, como querendo muito beijar-lhe o sono e a eternidade.
Rezo, desato as memórias, tento articular palavras, e faço intenção de jamais esquecer as gargalhadas e as longas conversas que tivemos enquanto os seus pássaros coloridos desmentiam os dias a preto e branco...
Depois despeço-me com um breve “adeus e até ao Céu”, e rumo a norte, reparando que o sol vencera a geada, perfumando o dia de muito mais azul.
Não quero ouvir música, já rezei o terço, como é meu costume nas viagens, apetecendo-me apagar tudo à minha volta para que as memórias possam eclodir e preencher essa casa vazia a que chamamos saudade.
O sol persiste.
Se eu fosse um homem de fé não me despedia do corpo dos meus mortos para ir procura-los vivos na lembrança. Pelo contrário, sorria-lhes e falava com eles olhando o sol...
Nas manhãs azuis e por entre a saudade que é fria e tem tanto de geada.

 

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