A mesma idade...

Dizem ser uma das tardes mais quentes do ano, e por isso esperámos pelas sete horas para virmos até aqui, aos campos de futebol de Vila Viçosa, ao carrascal. Eu e o meu sobrinho João.

Estacionei o carro de costas para a Escola Secundária, e o termómetro marca 38 graus.

Só desfrutei destas instalações no meu décimo primeiro ano, mas a tempo de numa manhã de fevereiro de 1983, termos ordem para sair das aulas e podermos desfrutar da neve.

A primeira vez que eu via nevar.

A minha amiga Lurdes Duarte foi ter connosco, e fez-nos uma foto no exato local onde agora estou estacionado, e a transpirar.

Em Vila Viçosa, no carrascal, como na vida, os mesmos detalhes “geográficos” podem ser tanta coisa: inverno e verão...

Soube hoje de manhã que partiu a Fernanda Lapa, e não sei porquê, entre este calor e as memórias da neve, penso em como lhe estou infinitamente grato pelas peças tão bem encenadas que me ofereceu.

No princípio dos anos noventa, quando os muros tinham caído e nós trincávamos a liberdade, saboreando-nos autênticos nas ruas sem grades do Bairro Alto, fui ao Teatro do Século ver a peça “Medeia é bom rapaz”, representada pelo João Grosso e o Rogério Samora.

Ao sábado havia duas representações, e já não me recordo de qual dos atores terá confidenciado a um dos amigos que iam comigo, que fôssemos à segunda sessão, porque estavam de tal modo envolvidos, que a performance era melhor.

Não faço ideia como terá sido a primeira sessão, mas a segunda foi genial.

Comprovei-o e ficou guardada, se tal me permitem, como uma das peças da minha vida.

Curiosamente, uma das últimas vezes que fui ao teatro, foi para o privilégio de assistir a “Gertrude Stein e acompanhante”, no teatro São Luís, também encenada, e de modo superior, pela Fernanda Lapa.

Esta famosa escritora norte-americana, Gertrude Stein, escreveu um dia, que “interiormente, temos sempre a mesma idade”.

Talvez...

Ainda que o calor tente apagar-nos as memórias dos abraços nos dias da neve, ainda que o tempo nos possa acrescentar emoção e força aos argumentos e às performances nos palcos da vida, ainda...

O João está ali ao fundo a jogar com os seus novos amigos, e eu aqui sentado, no carro, ainda penso guardar memória de coisas que contarei ao meu pai, quando chegar a casa.

As campas parecem ser ilusões, porque as pedras serão sempre o chão onde gostarei de brincar.

A mesma idade... teimosamente.

E flores, muitas flores por entre bravos para a Fernanda Lapa.

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