Este assento que o ser nos pede…


Nota prévia: este texto está salpicado de vermelho, porque assim se nos soltam as palavras quando temos os lábios pintados de tal cor.

Há muito que tomei o costume de ver-me nos espelhos que o pensamento oferece, na esquina de qualquer silêncio e, sobretudo, nessa profusão de imagens que, generosamente, me acodem sempre que os olhos descansam, cerrando-se a tudo aquilo que possa existir ao redor.

É este o meu retrato mais verdadeiro, declinando as procurações que suspendam o juízo e o cuidado de mim próprio, substituindo-o pelo julgamento do olhar alheio, de quem me observa desde fora, de mais longe, ou de mais perto.

E esse que eu sou, na sala dos espelhos do pensamento, desdobra-se depois em mil palavras, gestos díspares ou considerações diversas, porque eu não sou uma ilha no mar de muita gente.

Perguntar-se-ão, e com total legitimidade, qual o porquê deste introito, e destes desabafos.

Eu explico.

Estamos em mais um confinamento, voltamos a estar fechados em casa, e eu continuo por Vila Viçosa, em teletrabalho, algo distante da “vida” que tantas vezes mostrei.

É recorrente questionarem-me sobre a agonia deste meu estado sem viagens de avião, sem outra latitude que não seja a da pátria Calipolense, sem os meus colegas, sem Tejo, sem Lisboa e teatros, cinemas, jantares ao luar, e ao som da guitarra… e eu, por entre o desconforto de me verem como uma espécie de prisioneiro, desterrado ou votado ao castigo, lá explico, vasculhando todos os resquícios de simpatia, que estou igualmente bem, porque tal como antes, sou o mesmo naquilo que me rege face a face com os meus espelhos: estou aonde acho que devo estar.

É mais do que obvio que continuo a gostar de tudo o que enumerei antes, e que, logo que possa, voltarei a cruzar os pórticos de segurança dos aeroportos, mas agora, por mim, e também por todos, é aqui que a alma pede que eu tome assento, não existindo nada, mas mesmo nada, que possa substituir o saudável bom dia com que a minha mãe me saúda todas as manhãs.

O Natal persiste mesmo que eu não junte a família ao redor do camarão, o ano faz-se ao caminho mesmo que eu me iniba de erguer uma taça de espumante para fazer bonito no Facebook… tudo acontece e tudo existe, se estamos bem no terreiro que o tempo nos oferece.

Nós somos a alma, e tudo o mais é espuma que o vento leva da superfície dos dias.

Agora, protejam-se e fiquem em casa sempre que puderem… por todos nós.

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