Mestre, até sempre...


Ao longe, muito para lá da minha janela, o sol pinta o Atlântico de sombras cor de prata e vai disfarçando o frio de Janeiro.

Talvez eu logo vá passear no Chiado, e desça do Camões passando pela Brasileira, levando sempre comigo aquele jeito algures entre o Carlos da Maia, distinto, e o louco João da Ega, de "Os Maias".

Hoje, mais do que nunca, depois da Bertrand, onde as estantes têm os meus livros, e como quem desce para a Rua do Carmo, por certo sentirei saudades daquelas manhãs de 1982 na Escola Secundária de Vila Viçosa, ainda à Porta dos Nós, quando um gira-discos tocava Verdi e nós seguíamos por Camões e Homero à procura da imortalidade na Ilha dos Amores.

E as manhãs também traziam Sophia, Antero, Florbela, Pessoa, Jorge de Sena...

E inevitavelmente o Chiado do Eça.

Hoje, mais do que nunca, eu, o discípulo, sentirei saudades do Mestre que um dia me chamou à parte para me dizer:

- Rapaz, ser bom é curto para quem pode ser excelente.

Soube há pouco que à meia-noite de hoje partiu o Padre Mário Aparício, o meu professor de Português, e aquele que considero sem quaisquer dúvidas, o melhor professor de todos os que se cruzaram comigo nas diferentes etapas do meu percurso académico.

- O mundo é de quem não se senta à sombra da mediania e do destino e se torna exigente buscando o melhor de si.

E um Mestre, mais do que os compêndios que nos apresenta, ensina-nos a caminhar e a não desistir.

Talvez o Rossio hoje não tenha guitarras à janela e o Castelo se apague na sombra de uma noite fria de Janeiro.

Mas lá em baixo, onde o Tejo ressuscita em cada canto com que as ninfas pintam os meus versos, eu, rapaz com meio século a pintar-me a idade, coçarei a barba do tom da tarde e sentirei na brisa o eco de uma gaivota que esvoaça.

Mestre, até sempre, um dia destes voaremos juntos pela eternidade.

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