JFK


O tempo livre não é muito, mas o metro, aqui mesmo à porta do Centro de Congressos, consegue levar-me de forma célere até ao cemitério de Arlington.
Passo o pórtico da segurança, recolho um mapa, sigo as setas... e os sapatos de sola resvalam no piso polido por onde caminho na companhia dos esquilos, procurando a sombra dos enormes carvalhos. O calor e o tom cinza do céu parecem confirmar a trovoada que a meteorologia já ousara anunciar.
Viro à direita, depois à esquerda, subo uns degraus, e chego finalmente ao túmulo do Presidente Kennedy, cruzando-me com um grupo de turistas que já regressava. Agora, somos cinco pessoas, o silêncio e uma chama.
Do silêncio dos grandes Homens observa-se melhor a repugnante pequenez dos outros, e à luz da chama que persiste na memória sobre as balas de uma tarde de Novembro de 63, em Dallas, conseguimos ver-nos a viver uma imensa, e triste, sexta-feira treze.
Talvez já não tarde a madrugada de um sábado que desminta este tempo e o devolva à condição de mero pesadelo. Eu quero acreditar que os Homens voltarão em breve a derreter os muros, voando com as asas de todos os seus sonhos legítimos.
Olho o relvado em frente, acaricio um pouco mais o silêncio, e devolvo-me às sombras dos carvalhos, parando aqui e ali para oferecer uma bolota a um esquilo mais "conversador" e desinibido.
De repente, recordo-me dos domingos em Vila Viçosa quando me era dado o prazer de estrear uns sapatos. A subir a praça até à igreja de São Bartolomeu, também derrapava assim e tinha que fazer força para não cair.
Eu, pequeno, com uns sapatos novos e uns calções do tecido que sobrara do fato do meu pai, e eu, aqui, a afastar o suor da barba grisalha sob as sombras de Arlington. Nenhum Homem, por mais pequeno que seja, está longe da História e do poder de a reinventar.
Persiste o calor, mas as nuvens dispersaram e a trovoada afinal já não virá.
Oxalá seja sempre assim, e o meu "grito" faça com que o sábado chegue depressa e sem que troveje. Há milhões de silêncios à espera da nossa esperança.

 

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