Todos os livros são cartas de amor...


Tenho não sei quantas histórias guardadas no peito, que um dia escreverei para ti, talvez em segredo, para que tu as possas ler sob o perfume doce das tílias, nas tardes de primavera.
Sim, porque só o amor descodifica os trincos dos pórticos desse sagrado silêncio onde fomos guardando tudo aquilo que o tempo nos fez sentir.
Por isso, se me perguntarem aquilo que sou, manda a verdade que eu diga que por ti me fiz pedreiro, só para poder aprender a melhor técnica de rasgar janelas no peito e no silêncio, depois de devidamente escancaradas as suas portas.
Mas por ser necessário vestir palavras a esse tanto que espreita nos parapeitos dos sentidos, eu assumo que por ti também me fiz alfaiate, de modo a poder ajustar cada letra ao mais ínfimo detalhe, sem necessitar de recorrer a forros ou entretelas.
No jardim onde te sentas a ler, construíram entre as tílias, um cavalo alado, aproveitando a madeira de algumas árvores que o tempo secou.
Quantos beijos abraçaram essas árvores? De quantos amantes foram cúmplices os seus imensos e anónimos troncos?
Na tarde de um sábado de Junho que traiu a primavera, desço o Parque Eduardo VII entre as tendas de livros e a barraca das farturas que as derrotam por goleada de público.
Sento-me numa cadeira de plástico numa praça colorida, porque hoje me pediram para vir aqui falar sobre essa coisa de ser escritor.
Como se eu fosse algo mais que um pedreiro e um alfaiate, que por ti espera a hora de ser carpinteiro para conseguir oferecer a forma de um cavalo com asas, à memória do tanto que guardei e que quero que tu leias sob as tílias.
Porque todos os livros são cartas de amor, mesmo quando deles não se escuta nada mais do que a ausência desse doce sentir.

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