Enquanto um de nós tiver “músculo”…


Ainda que a maré se afaste e nos deixe sós presos às pedras lascadas do cais, nós sabemos que o nosso destino é feito de navegar.
Descalços, ferimos os pés nos mexilhões com casca em forma de navalha que o mar atou às rochas, e até poderemos escorregar, aqui e ali, na imensidão de algas que pintou de verde o chão da maresia, mas o nosso barco irá connosco de encontro à água que nos possa levar.
O Homem nasceu com músculo para poder cumprir os sonhos e o mar que a alma lhe inspirou desenhar.
E porque o sonho e a alma são universais, e há gente a quem o tempo foi roubando o “músculo”, cumpre-nos o dever de não deixar que nenhum barco morra sozinho no cais.
Isto é viver, e amar é não deixar que alguém possa sentir-se só.
Não aprecio a lamúria, e não tenho da vida a perspetiva de um longo e monótono campeonato onde se procura o record do mundo da desgraça que reclama dos outros um olhar de pena, e acredita que Deus, na hora da nossa “morte”, estenderá a mão em primeiro lugar ao mais sofredor de todos, aquele que a um canto da má sorte trajou de lágrimas os seus músculos auto atrofiados pela consciente inação.
Há quem viva a adiar permanentemente a hora de ser feliz, de hoje para amanhã e desta vida para uma outra vida qualquer, tendo puxado para si uma banda fúnebre, que não deixando de ser sonora, tem muito pouco de inspiração.
Acreditem que se a felicidade fosse um verbo, só teria conjugação no presente, e pensem no ridículo que é fazer da morte uma forma de vida.
Enquanto um de nós tiver músculo, que nenhum barco possa morrer de solidão no vazio de um cais que a maré secou.

(Agradeço a foto ao meu amigo Pedro Almeida)

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