O caminho de regresso...


Há momentos a que viramos definitivamente as costas para regressarmos a nós, aproveitando a estrada que os nossos pés calcaram sob o peso imenso da ilusão.
Uma pedra projetada sobre a vontade branca e limpa pode parecer um cais e um abraço, mas só até o sol sucumbir ao cinzento tom das nuvens. Nesse instante desmascaram-se as sombras, e a pedra passa a ser aquilo que sempre foi: uma pedra, ainda que possa estar enfeitada de flores na raiz onde beija a terra.
Porque o amor nunca nos pertence, talvez nada seja tão completamente meu quanto o silêncio deste caminhar de regresso a mim pela estrada onde as silvas já não são casas das amoras, e o perfume da esteva se apaga no incómodo da sua resina que nos mancha as mãos.
O caminho de regresso de um amor é a lucidez, invertendo a marcha na rotunda onde alguém inventou uma estátua para “celebrar” a ilusão.
Mas eu sei que nesse caminho de regresso eu já não sou o mesmo que passou ali quando o tempo ainda era azul, e talvez eu só tenha ido lá à frente buscar a perspetiva ideal para poder descobrir a vereda pequena  que se me oferece num quilómetro qualquer que eu nem sequer fixei.
Então, sacudo os pés, benzo-me a Deus que me espreita do ouro de uma giesta, e sigo caminho com toda a força de acreditar, tomando nota das palavras com as quais vou enfeitando, no pensamento, a música que levo no assobio.
Viver é não ter medo de arriscar escolher todas as veredas que desconhecemos, mas que num determinado momento nos provocaram um arrepio.
 
(Agradeço a foto à minha amiga Ana Carvalho)

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