Os dias de Agosto...


Quando em criança me obrigavam a caminhar para um sítio desagradável, eu desejava que a rua se tornasse infinita, quiçá dando sete voltas ao planeta, para nunca mais lá chegar.
Alinhado comigo, o meu irmão não conseguia adormecer na noite que antecedia uma saída agradável ou uma viagem. Ele a querer que o sono lhe encurtasse a noite, e nada de o conseguir.
Por não querer nunca ver o fim ao tempo, não usei relógio durante a semana que passou, percorrendo sem pressa os dias que decorrem entre a primeira toma de água, algures quando o sol já beija a montanha em frente à janela do quarto, pelas 7.30 da manhã, e o adormecer, que é cedo e após algumas páginas acrescentadas à leitura de um livro.
Durante o dia converso com os meus pais reencontrando velhas palavras do léxico Alentejano (pirrónico, escampar, muginar, aventar, marouvale), e pondo em ordem as histórias que ficaram por contar durante o ano nas nossas conversas telefónicas noturnas, por esquecimento ou falta de tempo.
Escrevo poemas de amor à hora da sesta e depois de prontos, leio-os em voz alta aos meus progenitores. A mãe gosta sempre muito, e o pai olha para mim com um ar algo intrigado: “este gaiato que até é certinho, de vez em quando...”.
Rimo-nos os três e fazemo-nos cócegas enquanto caminhamos, o que se tivermos em conta os 77, 75 e 52 anos que temos, nos torna uma ilha de riso no meio de gente solitária, e demasiado “séria”, que virou costas ao mar para vir tratar do fígado e da hipertensão.
Fazemos selfies, mas sem que os anos de convívio com o Prof. Rebelo de Sousa se manifestem em grande jeito por parte dos meus pais. Continuaremos a treinar.
Compramos e lemos o jornal, jogamos nas raspadinhas, mas sem êxito algum.
Pois...
Já diz o ditado que “quem tem sorte ao amor...”.
Se eu pudesse esticava estas semanas até à dimensão de sete voltas à Terra, só para evitar a partida, e pedia ao sono que me encurtasse todas as noites da viagem, para que chegasse depressa o beijo matinal que antecede sempre as águas.
Porque o amor que me envolve será sempre maior do que o mel de quaisquer palavras que eu alinhe à hora da sesta.
Porque o amor será sempre maior do que as falhas de memória e de tudo aquilo que pela idade no nosso corpo envelhece.

 

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