O último passo para o beijo das nossas mães…


Quando o Professor Lima Martins, entre a primeira e a quarta classe, nos levava à Varandinha dos Namorados para uma aula ao ar livre, nós passávamos por debaixo da janela da Dona Luísa de Gusmão e assumíamos o seu grito e a sua ambição de ser rainha de um Portugal restaurado, não tendo dúvidas, ao chegarmos à Cegonha, que o mar se conquistava por aquela estrada. Existiam outras mas teria de ser sempre por ali:
- “P’ra frente é que é Lisboa”.
Crescemos e fomos estudar para o velho liceu, cujo portão era o penúltimo até ao metro zero da dita estrada. Entre os passos e os sonhos, estávamos definitivamente mais perto do mar, porque a chave seria percorrer aqueles quase cinco quilómetros adornados nas bermas por muros caiados e por oliveiras que tratávamos por tu, sobretudo na hora de buscar musgo para o presépio.
Um dia partimos mesmo, e aprendemos então, o doce sentido de quem regressa. Fixámos a primeira curva de onde se avistava a torre do Paço Ducal, sentimos o gosto de passar a curva da Horta Nova, aprendemos a sorrir à Senhora da Conceição através de uma Ave-Maria, quando passávamos à Porta da Vila, e como regressar será sempre o caminho até aos maternos regaços, ficámos a saber que aquela estrada entre Borba e a nossa Vila Viçosa era o último passo até ao saboroso beijo das nossas mães.
Era sempre ali que eu apagava definitivamente a saudade.
A estrada ruiu e morreu, levando com ela cinco dos nossos.
Não é má sorte, é o destino inevitável do povo, nunca ter um sítio que seja certo e uma hora que não seja errada.
Há pouco mais de uma semana passei por ali na hora de levar os meus pais a casa. Num domingo de muita chuva, não me consigo recordar se o meu pai contou alguma das suas aventuras de quando, ele e os amigos, percorriam a estrada a pé, na madrugada dos dias de carnaval, para não perderem pitada de nenhum baile. A estrada era minha mas por herança que transitava de geração em geração.
Embora digamos que “velhas são as estradas”, jamais assumimos que elas possam morrer assim, deixando-nos o silêncio e a memória que as fará eternas, mas transparentes, por bênção do pensamento e da nossa história. Porque mais do que o primeiro passo até mar, era o último até ao beijo das nossas mães.

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