Regresso...


Um a um, e muito devagar, percorro os quilómetros do caminho com a solenidade de quem venera até a mais pequena pedra.
O meu berço é o sul, tenho raiz de povo, e o espaço onde nasci é um altar caiado a sol e suor, que me oferece, assim, a cada regresso um infinito de sagrado e de peregrinação.
Nos lábios, a música que me assalta tem um tom dolente, pela quantidade imensa de alma que cumpre arrumar no espaço limitado da métrica dos versos.
Sem bordão, com o riso e os amores na mochila, que os desamores já os chorei todos; com as mãos prontas a desenharem uma concha sob o canto fresco das fontes, não vá a força cair na tentação de adormecer.
Mas hoje a água cai intensa sobre o asfalto e os campos que ladeiam a estrada, roubando-me aqui a ali, pela intensidade do nevoeiro, as árvores e os castelos que há anos me servem de referência no começo e no fim de cada jornada.
Respiro fundo, aproveitando essa profundidade para me olhar de frente, de verdade, e descobrir que a essência permanece igual, apesar das mil flores que fui colocando em vasos espalhados por toda a minha idade.
Rosas e malmequeres que fui colhendo da gente que passou enquanto diluía os meus passos nos trilhos de mil outros mundos, e tantas cidades.
Mesmo que me faltem as árvores e os castelos onde o olhar descansa e sorri, eu serei sempre mais eu na genética doce que emerge deste caminho e de cada regresso a casa.
Um Homem será sempre ele e a sua terra.

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