Breve manual para os dias de chuva


Mesmo quando o dia insiste, e nos rouba o céu, nós pintamos as casas de azul ou de amarelo, garantindo que não nos faltará o sol.
Dispensamos a serventia das portas e das janelas, porque nos livros empoeirados da biblioteca da memória, temos guardados milhões de avionetas e naves espaciais  que nos levam para longe, ou para mais perto, sem sair do sofá, mesmo quando a chuva parece querer distrair-nos soando forte no seu encontro com as vidraças.
São livros editados e reeditados pelo tanto que já fomos, ou sebentas alinhadas à pressa, com o muito que queremos ser.
Depois, talvez pousemos as palavras escritas, deixando no entanto, que os discos continuem a encher a sala com as músicas que trouxemos da história, às vezes presas apenas por um assobio.
Eu serei sempre este recanto enfeitado de conchas e de alecrim, um detalhe situado entre tudo aquilo que já “li” e as palavras onde corre o meu sangue, rimas alinhadas nas letras das minhas novas canções.
Mesmo quando o dia insiste e nos rouba o céu...
Quem já foi obrigado a ficar longe do mar, sabe que a melhor forma de sentir a brisa da praia é “tomar” um poema de Sophia.
E quem como eu, no Alentejo, já se viu sem moedas para poder comprar cação no mercado, sabe que a sopa feita sem o dito peixe, mas com coentros, farinha, vinagre e pão, tem o sabor exatamente igual à outra, embora sem a desejada proteína.
Mesmo quando o dia insiste e nos rouba o céu...
Jamais haverá justificação para nos deixarmos morrer, oferecendo-nos o estatuto de cadáveres que vagueiam pelas ruas sem cor das cidades que olhamos como jazigos.
Mesmo quando o dia insiste e nos rouba o céu...
Cumpre-nos alimentar e manter vivo o impulso de revolução, estando preparados para as madrugadas que nos restituem à claridade.

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