Cinquenta anos...


Ao contrário daquilo que alguns intelectuais da moda andam por aí a afirmar, não conheço nenhuma mulher que tenha ficado mais feia depois de cumprir cinquenta anos, muito pelo contrário, todas elas, tal qual os homens, ficam infinitamente mais bonitas.
Poderia acontecer que esta minha constatação fosse de natureza filosófica, excluindo a componente física e mais visível do assunto, mas nem é o caso, até porque são ténues as fronteiras que carregamos connosco, e se é verdade que “quem vê caras não vê corações”, já o inverso não se verifica, porque quem vê corações consegue ver caras. E se os corações forem grandes, as caras serão invariavelmente bonitas.
Concordo que os cinquenta anos trazem muitas mudanças, mas sempre de encontro ao melhor da vida. Permitam-me que enuncie algumas:
1. Já não damos tempo ao tempo, porque o tempo que temos nos faz imensa falta para o tanto que queremos navegar;
2. Se os salmonetes forem frescos e acabados de pescar, que importa se vêm embrulhados no pedaço velho de um jornal? E quem diz o peixe, diz a gente;
3. Acumular palavras doces causa diabetes, e as palavras amargas criam acidez no estômago. Pelo sim e pelo não, soltamos tudo o que há para dizer aos respetivos destinatários;
4. Aprendemos há muito que o ruído de mastigar pipocas pode beliscar o tom perfeito da voz da Merryl Streep, e, por isso, desbravamos todos os ruídos, e traímos a moda, só para termos o instante gourmet de escutar a quem merece;
5. Gostamos de falar a verdade através dos beijos que damos, não deixando nunca que a alma nos possa desmentir no recato do quarto, quando cai a noite;
6. Pela dor de a chorarmos tanto, e sempre em crescendo, aprendemos a prevenir a saudade, entregando os braços a quem nos faz falta, eliminando a toxicidade contaminante de quem nos faz morrer;
7. Focamo-nos no luar, muito mais do que na noite escura, e sabemos que Deus será sempre maior e mais importante do que qualquer fórmula humana que lhe ofereça uma terrena e sumptuosa embaixada;
8. À medida que vamos ganhando mundo, tomamos consciência do real valor daquilo que até poderia parecer pequeno. A pedra simples da beira do caminho só é desprezível para quem nunca sentiu no corpo as dores de caminhar, e agradece o repouso.
Às vezes olho-me ao espelho no recanto mais iluminado da sala, e por entre a barba branca, descubro em cada ruga, a marca que ficou de todos os rios de onde parti para navegar até às ilhas que sonhei.
O tempo inscreve-nos a história na face e torna-nos muito mais bonitos por entre uma infinita sensualidade.
Mulheres e homens, depois dos cinquenta, todos sopramos diamantes para dentro de um beijo.

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