Sou do Fado

Entrei no mundo do fado por acaso no início dos anos noventa, e logo pela porta maior.
Ao ir trocar um CD à megastore da Valentim de Carvalho, no Rossio, e porque o CD que ia trocar tinha um preço mais elevado, fui forçado a escolher algo mais que equilibrasse a troca. O valor era próximo do de uma cassete áudio, uma peça que nos era muito útil porque em viagem, nos nossos auto-rádios, constituíam as únicas alternativas às estações emissoras.
Talvez por estar na Valentim de Carvalho, eram inúmeras as cassetes de Amália Rodrigues, e a minha escolha acabou por ir para uma delas. Nunca me tinha debruçado muito sobre a obra de Amália, e a curiosidade levou-me a colocá-la como companhia nas minhas viagens mais próximas.
De tantas, é impossível dizer-vos quantas vezes ouvi a cassete de Amália. Fiquei preso à sua voz enorme, às voltas e reviravoltas que essa voz, inspirada e embalada pelo som inigualável da guitarra portuguesa, cantava os sentimentos expressos nas palavras dos poetas, esses eleitos e privilegiados seres que conseguem casar a alma com as palavras.
Compreendi António Variações quando afirmou “todos nós temos Amália na voz e temos na sua voz a voz de todos nós”, e comecei então a procurar e a descobrir pouco a pouco, a obra de Amália.
E assim, por alturas dos meus vinte e cinco anos, se estabelecia a minha ligação ao fado. Não considero que tenha sido tarde, é necessário provar a vida com intensidade, para além de descobrir e amar Lisboa, para ser mais fácil chegar ao fado.
Fui descobrindo outras vozes do fado: Maria da Fé, Maria Armanda, Teresa Tarouca, Paulo Bragança, Camané, Mísia, Cristina Branco, Gonçalo Salgueiro, Mafalda Arnauth, Ana Sofia Varela, Mariza, Kátia Guerreiro…
É impossível nomeá-los todos.
Todos pelas suas vozes me marcaram ao longo destes anos.
Portugal apresentou recentemente a candidatura do fado a património imaterial da humanidade, esperando-se que a partir de Novembro, altura em que será conhecida a decisão da UNESCO, o fado possa ombrear com o tango ou o flamenco, duas expressões artísticas fortíssimas e marcas da identidade Argentina e Andaluza, respectivamente.
Torço para que tal aconteça.
Considero que é justo que a humanidade reconheça como seu património, aquilo que já é e sempre será um património imaterial de Portugal, a banda sonora do ser Português.
Para terminar e porque este também é um espaço onde se cultiva o orgulho Calipolense, sempre deixo o registo de que no musical “Fado - História de um povo” de Filipe La Féria, em cena no Casino do Estoril, há um fado interpretado pelo Gonçalo Salgueiro onde se fala de Vila Viçosa e de D. Carlos I. Mesmo quando a história de Portugal é contada em fado, Vila Viçosa não poderia deixar de estar presente.

Comentários

  1. Que exemplo de Calipolense...
    Quem me dera fazer passar aos meus filhos este tipo de sentimentos.
    Como eles dizem só pode ser do tio Quim Barreiros.
    Beijinhos
    Ana Almas

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