As quatro cruzes de pedra


Em Vila Viçosa e a uns três quilómetros do centro da vila, existe na direcção de Pardais, passando o Aldeamento de Peixinhos, um lugar chamado de Fonte Cebola.
Só tem acesso por uma estrada de terra batida e tal como todo o campo ao redor da minha terra, obviamente aquele que ainda não foi esventrado para retirar mármore, tem o marcado viço que legitima o adjectivo que por ser assaz adequado, dá justo nome à “Princesa do Alentejo”.
Corre por estes lados um ribeiro, e foram as suas águas cristalinas, o pretexto para que eu pela primeira vez visitasse este lugar, algures pelo inicio dos anos setenta, acompanhando a minha avó Francisca num dia dedicado à lavagem da roupa.
Acima do ribeiro há um monte, alva construção que domina todo o vale, com traça marcada de Alentejo, que impressiona desde logo pelo facto de na sua fachada principal, fronteira ao vale, ostentar quatro cruzes em pedra, todas iguais, semelhantes a muitas que ainda hoje podemos ver em algumas fachadas do centro da vila e que, salvo raríssimas excepções, sinalizam crimes violentos e grandes desgraças ocorridas no passado.
Entre as operações de lavagem, corar ao sol, enxaguar e secagem da roupa, sempre com piquenique / almoço à mistura, foi a minha avó quem primeiro me falou da razão de ser destas quatro cruzes em pedra.
Anos mais tarde, a consulta às Memórias de Vila Viçosa escritas pelo Padre Joaquim Espanca, confirmou a exactidão da história narrada pela minha avó e que passo a contar.
No final do Século XVIII, um soldado aquartelado na Vila, enamorou-se pela filha casadoira da família que habitava o Monte da Fonte Cebola. Mas, no decurso do namoro, mais se encantou, e de forma irreversível, pelo ouro e dinheiro que estavam na posse desta família.
Cego de ambição, fez cúmplice um camarada de armas e pela calada de uma noite de um Outono tardio, atacou a família de forma muito violenta, num crime que não lhe saiu perfeito e como planeado, porque o filho mais novo do casal conseguiu escapar por um buraco que ligava uma das divisões da casa ao galinheiro.
Foi este rapaz que mais tarde conseguiu identificar os criminosos, devidamente condenados, e que contou a história dessa noite trágica, a história por detrás das quatro cruzes.
Foi morto o pai, a mãe, a filha mais velha e que era a namorada do homicida e também, uma perdiz, que estando numa gaiola e não se calando durante toda a cena muito violenta, foi também brutalmente morta por um dos homens.
O pai, a mãe, a filha e a perdiz. As quatro cruzes, todas iguais, do Monte da Fonte Cebola.
Hoje, Século XXI, entristece-me a legitimidade com que são feitos apelos para que não tratem mal e não abandonem os animais. Porque a violência existe e é irracionalmente brutal, proporcionando um espectáculo dantesco a quem circula pelas nossas estradas.
Hoje e sempre me encherá de orgulho ser de uma terra que já há quase trezentos anos reconhecia e não fazia distinção de valor entre todas as criaturas insufladas de vida pelas mãos do Criador.

Comentários

  1. Bonita história que ilustra como a vida deve ser valorizada em todos os seres , criaturas de Deus
    RUI PEREIRA

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