Os quarenta


Na vida, a década dos quarenta encerra em si segredos que a tornam mítica e especial, talvez por ser uma real fronteira entre idades. Na melhor das hipóteses e imaginado que dobraremos os oitenta, ela constitui o verdadeiro ponto intermédio da nossa existência.
Depois da década dos dez ter sido a da Explosão Hormonal, a dos vinte, a da Autonomia Familiar, e a dos trinta, a da Consolidação Orçamental, cheguei à década dos quarenta com essa curiosidade nascida da informação contraditória veiculada pelos mais velhos: “a vida começa aos quarenta” versus “com os quarenta chega o caruncho”.
Quanto ao facto da vida começar aos quarenta, é mentira, o que é verdade é que há uma vida que começa aos quarenta. É uma vida nova e diferente, que em alguns aspectos até aprecio bastante.
Confesso que gosto de me ver ao espelho e, perdoem-me a falta de modéstia, o grisalho da barba e do cabelo, assenta-me realmente bem. E nem é preciso socorrer-me dessas novas técnicas que melhoram o visual. Há dias descobri que duas amigas da minha idade, utilizam a “pintura à pistola” para ficarem bronzeadas, pelo menos até ao duche seguinte.
Depois, a experiência adquirida nas vivências intensas das outras décadas, sim porque nunca fui de adiar nada, oferece-me um charme especial a que gosto de dar uso.
Mas, o problema é mesmo a chegada desses sinais de envelhecimento que pé ante pé vão entrando no nosso dia-a-dia.
Aos quarenta e quatro recebi a confirmação oficial do Homem doce que sou: diabetes.
Açucares postos de lado, comprimido de manhã e à noite, picada diária no dedo, ginásio por prescrição médica…
Pela diabetes e pela necessidade de controlar todos os factores de risco cardiovascular, dei hoje por mim a fazer uma Prova de Esforço numa clínica nos arredores de Lisboa.
Depois de ter estado sentado na sala de espera a ouvir a Maya atender chamadas para aconselhar vidas com base nos astros, num programa que é ele próprio um factor de risco cardiovascular, fui recebido por uma enfermeira de lâmina de barbear em riste, que depois de me mandar despir, me rapou zonas do peito a seu belo prazer, colocando-me de seguida autocolantes e dez eléctrodos que me deram a sensação, ao subir para o tapete rolante, de ser um homem bomba pronto a rebentar a qualquer momento.
A caminhar na passadeira em passo acelerado, cheio de fios e de eléctrodos, a ouvir os “pipipis” dos aparelhos e a ver na minha frente um LCD que mostrava a Júlia Pinheiro aos gritos a entrevistar uma adolescente viciada em sumos gaseificados, senti o gosto horrível do envelhecimento e, não fosse eu um homem optimista, e teria saído dali a correr para comprar anti-depressivos.
Mas houve mais…
Terminada a prova e após um duche agradável, saí da clínica envolto em fios, com uma braçadeira e um aparelho que me mede automaticamente a pressão arterial de meia em meia hora durante o dia, e de hora a hora durante a noite.
A experiência é fantástica e não tivesse eu treinado muito o “1,2,3 macaquinho do Chinês” e quando o apito soa, teria dificuldade em permanecer quieto e calado durante alguns segundos.
Avisei os meus colegas de que estou preso de movimentos, que paro anormalmente de falar por alguns momentos e de que não se assustem, pois o aparelho que trago à cintura, apesar de parecer, não é um detonador, não havendo portanto risco de explosão.
Por ter a braçadeira não consigo usar o telemóvel com o braço esquerdo, o que me coloca um problema pois desde o fim-de-semana que estou com problemas no ouvido direito e tenho alguma dificuldade em ouvir.
Fui há pouco à casa de banho e tivesse sido grande o aperto, e o minuto que demorei a gerir fios e equipamento, até me poder sentar na sanita, seria mais do que suficiente para motivar algum acidente desagradável.
É mau demais e é muita coisa junta, pelo que, definitivamente, se alguém vos vier com a história da “Ternura dos Quarenta”, não hesitem e mandem logo prender… o Paco Bandeira.
Assim, como assim…
Da minha parte, prometo, não vou desistir.
Farei as provas que forem necessárias, ligar-me-ei aos eléctrodos todos do universo, tomarei todos os comprimidos e mais um, mas enfrentarei esta chegada da velhice com um sorriso tão intenso que por certo a vai desmotivar de me fazer qualquer mossa.
E sempre, com muito charme, claro.

Comentários

  1. Amigo, a idade tudo traz....menos dinheiro....é a vidinha....adorei....beijo

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  2. Meu caro amigo, eu que já estou nos sessenta e tal, que também já estive ligado a fios, que até já passei para o outro lado (ainda que por pouco tempo, penso), mas que ainda me sento na sanita sem ser contrariado (de preferência com leitura diversa), posso dizer-lhe que: todas as idades são boas, se tivermos consciência da idade que temos; o que é preciso é ter saúde qb, ter alegria e saber sofrer calado. Termino lembrando que "ser positivo é: dar valor ao que se tem". Um abraço.

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  3. Já várias vezes temos falado deste tema nas nossas conversas! E sim, concordo contigo: estamos todos muito bem! Melhores, até! :) e os teus exames vão demonstrar que está tudo em ordem! bj

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  4. Nos quarenta ou em qualquer idade, o sorriso é o melhor segredo para ter charme.
    Muito obrigado por nos fazeres sorrir
    RUI PEREIRA

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  5. O aborrecido da coisa, é que a maquina não é eterna como o teu espírito...

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  6. Bravo, quase queirosiano ao falar da velhice. Uma delícia....

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  7. Eu já passei dos quarenta estou a caminhar para os cinquenta, o que vale é a nossa alma por dentro isso sim é juventude.
    M.Pereira

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