À vida!


Há alguns anos atrás, as férias grandes eram muito maiores do que hoje, e era no inicio de Junho que nos despedíamos das aulas e perdíamos o contacto diário com alguns colegas, os mais afortunados, que cedo partiam com os pais para junto do mar.
Mas mesmo assim, apesar destas ausências, nunca deixei de ter alguns amigos junto a mim, nas festas de aniversário que os meus pais me organizavam para que o dia 5 de Julho, o dia do meu aniversário, fosse sempre para mim um dia diferente, um dia feliz.
A festa começava a ser preparada uns dias antes quando recortava as cartolinas e as decorava com desenhos, no meu caso não muito artísticos, elaborando os convites que entregava orgulhoso aos amigos cujos nomes constavam da lista antes elaborada em conjunto com os pais.
O lanche era simples e nascia sempre da arte da minha mãe, tias e avós, sendo composto por sandes, pães-de-leite, empadas, rissóis de pescada, biscoitos, broas e claro, o bolo de aniversário, sempre feito pela minha mãe e decorado por uma prima afastada, de nome Octávia, que o cobria de pérolas doces e de uma pasta branca de açúcar, difícil de trincar e que me recordo, tinha um intenso gosto a limão.
Comíamos e brincávamos, fazendo parte da festa a organização de algum jogo alinhado com o programa mais em voga na televisão e que poderia ser o “1,2,3”, a “Visita da Cornélia” ou o “Terra a terra minha gente”.
Antes do jantar, os amigos partiam e ficava em casa com os meus pais e o meu irmão, sabendo que no serão chegariam os avós e os tios, para um chá, que por ser verão, tinha sempre a companhia de uma limonada, alternativa fresca elaborada a partir dos limões que o quintal da Tia Maria nos oferecia durante todo o ano.
Os amigos traziam sempre presentes que tinham tanto de simples como de fantásticos. Poderia ser um single com uma canção da moda ou de um recente festival, ou então um livro, e se fosse de “Os Cinco” ou de “Os Sete”, seria por certo devorado nos dias imediatamente a seguir à festa.
A família trazia roupa e percebia-se que as peças escolhidas tinham sido alvo de uma discussão prévia com a minha mãe, tendo por base as necessidades de guarda-roupa para um verão que ainda ia no começo.
Mas falando de presentes, agora já posso assumir sem melindrar ninguém, que os meus preferidos eram os do Avô Chico e do Tio Zé Boquinhas, que chegavam sempre e eram sempre iguais: uma nota de vinte escudos.
Cada uma entregue em seu envelope, as notas que tinham a imagem de Santo António, iam directamente para o meu mealheiro e eram um contributo precioso para que o verão, e as festas que o compunham ali pelas redondezas, fossem vividos em plenitude.
Não consigo enumerar o que comprava ao longo do verão com estes quarenta escudos, mas posso garantir que estes vinte cêntimos de Euro me garantiam o verão.
Faço hoje 46 anos e neste final de tarde, a saudade levou-me até às memórias destes meus aniversários em Vila Viçosa, quando a simplicidade dos nossos dias, das prendas e das festas, fazia sobressair os afectos que foram, garanto-vos, o meu melhor alimento.
Hoje, sinto a falta dos que já não vão poder chegar para o chá, sinto o orgulho pelos que antes chegavam para o lanche e que nunca deixam de se fazer presentes neste dia porque a amizade que nos une é indestrutível, e sinto a força de todos aqueles que os anos me foram oferecendo, os que foram chegando e são hoje, e serão sempre, alicerces fortes da minha felicidade.
Convosco, meus amigos de sempre e para sempre, ergo hoje a minha taça do melhor tinto alentejano e brindo:
- Á nossa! À vida! 

Comentários

  1. Parabens pelo texto esta simplesmente fantastico , recordei algums anos da minha infancia
    RUI PEREIRA

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  2. É bom ter recordações, saber preservá-las, saber contá-las, saber valorizá-las. Mas é sobretudo bom, podermos vivê-las e juntá-las às amizades de hoje e às que aparecerão no futuro. Um abraço de felicidades.

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  3. Lindo texto e como tu dizes e bem há amigos que ficam para sempre nos nossos corações.
    E então cá vai para ti um brinde à tua felicidade.
    Beijinhos
    M.Pereira

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