As cartas de amor não têm data nem hora…


Meu amor,

Escrevo-te esta carta sem data e sem hora, porque a qualquer momento que a leias, tudo aquilo que de mim ela revela, persistirá inteiro; ou não fosse o amor, ele próprio, a eternidade…

A minha vida está nos teus beijos, muito mais do que em respirar, e sobre o instante em que te conheci, eu construí a casa onde moro contigo; tomando, porém, o cuidado de numerar todas as pedras para assegurar que ela jamais se torne vulnerável ao tempo, e continue assim, eterna, cruzando comigo todos os dias do futuro.

Na sua varanda que olha o mar, há sardinheiras que se acendem nas tardes de primavera, e que se entretêm a brincar com as gaivotas que redesenham o céu enquanto beijam o ar salgado. Recostado numa cadeira de assento de buinho, construída pelos meus avós, eu agarro o tempo como se fosse linho, e sobre ele, bordo letras azuis em versos de formas que só o desejo ensina.

Pode ser que o silêncio me revisite enquanto estiveres longe, mas aí eu porei a mesa com essa toalha, e deixarei que a memória se solte e me venha beijar à vontade.

Eu sei, meu amor, que a solidão fala comigo, tal qual as nuvens inscrevem poemas de sombras na superfície do mar.

E se não fosse a saudade, se não existisse em mim esta ânsia de te procurar, como poderia eu saber que o mundo é imenso, mas que é muito maior a vontade de te abraçar?

Por isso, e pelo amor, cruzaremos juntos, Fevereiro e o tempo todo, o Outono, a Primavera das nêsperas maduras; poremos letras de canções, na música do vento e da chuva, bailaremos viras, fandangos, malhões; tropeçaremos na pedra lavada do ribeiro, beberemos a água gelada das fontes e deixar-nos-emos cair entre giesta e rosmaninho nos dias que se espreguiçam pela Páscoa, por Abril e pela liberdade…

Meu amor, e mesmo que demores, eu prometo não chorar por ti, de verdade, e prometo que de todo o meu corpo farei um coração que te espera; até das mãos vazias, para que quando chegues, não percamos tempo e soterremos rapidamente a saudade.

Meu amor, eu amo-te muito para lá de onde só os poetas entram e nascem as palavras de amor.

Mil beijos.

Teu,

Francisco

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