O rapaz que não conhecia a letra “a”


Quase no cimo da colina onde o moinho respira o vento que sopra do rio e onde as gaivotas vêm repousar ao fim da tarde; numa rua muito estreita, de casas com flores nas janelas e rodapé azul ou encarnado, vive um rapaz que todos acham estranho, apenas porque não conhece, e jamais conhecerá a letra “a”.

Nasceu e será sempre assim, mas aquilo que é diferente não é forçoso ser coisa ruim.

Igual a todos os outros rapazes, apenas busca novas palavras, perdão, novas expressões.

Assim, em vez de dizer que gosta de sonhar, diz:

- Eu pinto e invento o mundo. Ofereço-lhe um tom novo, que é só meu e que encontro bem no fundo.

Não se esconde atrás de nenhum biombo ou véu, e para dizer que gosta de saltar, diz:

- Eu gosto muito e brinco com o céu.

Chama a mãe e o pai por mundo, esquece as horas e foca-se nos minutos, uma rosa é uma flor, o pão é sustento, uma bola é um esférico, um desafio é um jogo, e uma derrota é um tormento

No outro dia, na aula de Português, a professora pediu uma quadra sobre a mão, fez um concurso e ele ganhou, mesmo sem poder usar tal expressão:

“Emerjo do solo, em prece,

Sou pelo céu, um grito só

Tronco que o sonho tece

Unindo o mundo com um nó”.

Encarnado é vermelho, o amarelo é desespero, o verde é verde, o azul é céu, e até uma maçã pode sempre ser um pero.

Amar é viver, amor é querer, a alma é um verso, o mar é o horizonte líquido que se une com o infinito, ter valor e ser raro, são sinónimos de ouro, e não têm nada de esquisito.

Vive feliz e contente, mesmo não sendo igual a toda gente.

E agora apenas para terminar, sempre digo que as pessoas ditas normais, e que conhecem todas as letras, nunca terão uma história assim que de si possam contar.

Quase no cimo da colina mais alta, depois de treparem pelas ruas estreitas da cidade, rapazes e raparigas, são pupilos das gaivotas escutando lições de liberdade.

 

Fevereiro é um mês raro e dedicado particularmente às pessoas com doenças raras. Deixo-lhes aqui o meu abraço.

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