As ruas do trovador


A mãe é costureira, e nos anos da minha infância, quando morávamos na rua de Três, em Vila Viçosa, tinha com ela aprendizes, raparigas nossas conterrâneas dispostas a seguir-lhe os passos na sua arte. A banda sonora dessas tardes longas em que eu brincava nas escadas de pedra que davam acesso à varanda, era a conversa com que elas acompanhavam os chuleios, os alinhavos, o casear e o cerzir, quase sempre, também, na companhia de uma das avós ou de alguma tia, que chegavam para dar uma ajuda em dias de mais trabalho.
Sentadas nas cadeiras baixas com assento de buinho, as suas palavras saltavam como numa dança de roda, oferecendo um coro inspirado à ópera cujo libreto eu ia inventando, como podia, entre casinhas de papel ou carros miniatura, numa cidade só minha.
Às vezes parava para tomar-lhes o sentido de para além do som, e por todas essas palavras que me era permitido escutar, muito cedo aprendi a desmontar a ideia de que esta era a assembleia informal da “gente menor”, esperando que a sua congénere forte e maior, a dos homens, chegasse a casa lá mais pela hora de jantar.
Sim, os homens eram reis sentados num imponente castelo, porque as mulheres, pedra a pedra, tinham o poder de lhes construir as muralhas, com o cimento da generosidade e da suprema honestidade.
É mais forte quem quer do que quem pode, porque o músculo é benefício da alma.
As agulhas, as linhas e os tecidos, não tinham, definitivamente, o toque metálico das ferragens de um campo de ciganos, mas eu, um pequeníssimo Il Trovatore, cantarei sempre a voz de coragem dessas mulheres que enchiam as ruas das cidades que eu inventei.

 

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