Se o “Ali Baba” tivesse derrotado o “Playback”…


“A desfolhada” do Pedro era genial e até incluía gestos bruscos de Simone sobre o canudo que fazia de microfone, mas o meu “Sobe, sobe balão sobe” arrasou a audiência e o júri “nacional(mente)” distribuído pelo celeiro, para que a distância e os caixotes pudessem oferecer-nos à voz, as intermitências das chamadas telefónicas dos anos setenta. Não me recordo bem, mas talvez o João Paulo fosse Braga, escondido entre pilhas de blusas de malha, o Manuel, Angra do Heroísmo, atrás dos capotes castanhos, e o Paulo Geadas, quiçá Beja, debaixo de uma pilha de cobertores.
Nesta polivalência de funções e plágio assumidíssimo, existia também o privilégio de alguém ser Eládio Clímaco, para apresentar as canções e recolher os votos no quadro improvisado numa folha de cartolina.
O prémio não incluía viagem até uma cidade algures na Europa, mas passava, certamente, por uma sessão de “jogo do mata” na travessa do Belhuca, o que era quase a mesma coisa que brilhar no palco da Eurovisão.
Era sempre assim, e não existia Março sem Festival da Canção em Lisboa, no Teatro de São Luís, no Maria Matos ou no Monumental, mas também no celeiro que ficava ao lado da loja do Senhor Domingos, em Vila Viçosa.
Uma das muitas vantagens de ser criança, é a de que tudo poderá ser aquilo que nós quisermos.
Guardadas nas fitas dos leitores de cassetes, rapidamente aprendíamos as canções Portuguesas, sabendo-as de cor no momento em que, algum tempo depois, ecoavam na Europa e recolhiam aqueles habituais míseros pontos dados, quase sempre e só, pela Espanha e pela França. Perante esses desastres nós tínhamos a certeza de que se o “Ali Baba” das “Doce” não tivesse sido derrotado pelo “Playback” do Paião, ou se a “Rita, Rita Limão” dos “Green Windows” tivesse ultrapassado em número de cupões, o “Portugal no coração” de “Os amigos”, nós teríamos vencido a Eurovisão.
Confesso que ainda hoje abomino o “Playback”, de 1981, porque o “Ali Baba” é que era a tal canção.
Quarenta anos e muitos festivais depois, na noite da vitória do Salvador Sobral, falei ao telefone com o João Paulo, que me disse desde logo:
- Quim, já podemos morrer. Já ganhámos a Eurovisão.
Morrer, não, que não me dá jeito nenhum e até consegui uma entrada para um dos espetáculos de Lisboa.
Uma das vantagens de crescer, é o benefício de mais tempo para podermos concretizar os nossos sonhos. Mas, claro, quando não temos medo de caminhar de braço dado com eles, desprovidos de qualquer vergonha de o fazer.
Sim, porque continuo a acreditar que se o “Umbadá” do Jorge Fernando tivesse ganho à Adelaide Ferreira, se o Telmo Miranda tivesse destronado a Célia Lawson, se a Catarina Pereira não fosse derrotada pela “pimba” Suzi… nós já teríamos ganho a Eurovisão.
No próximo dia oito de Maio, quando eu estiver no Altice Arena a assistir à primeira meia-final da Eurovisão de Lisboa, cumprindo a vontade de tantas tardes no celeiro, eu sei que sentirei saudades do “jogo do mata” na travessa do Belhuca e da Dona Joana, que, às vezes durante a brincadeira, me ia chamar para eu ir levar uma carta ao correio.
Sermos tudo do tanto que já fomos e do muito que queremos ser, é um privilégio de quem cresce com memória.
Um abraço e bom Festival da Canção.

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