Faces pintadas...


Entre trocas de roupa e faces pintadas, fico sempre na dúvida se a gente se disfarça ou finalmente se revela nos dias de entrudo.
A vida é de facto um imenso baile, e a senha para entrar nos salões mais requintados e virtuosos, reside tão só naquilo que se vê à superfície.
Por isso, para os outros dias, aqueles de entre carnaval, escolhem-se gestos e palavras densas, opacas e alinhadas com a pretensão social, escondendo-se tanto ou tudo dessa essência que da alma emana.
É a “virtude” que esconde a perversão, o “amor de família” que disfarça a violência e o desprezo pelos direitos mais elementares... e assim se poderia resumir, por exemplo, a semana que passou.
Passaram ontem sete anos sobre a partida do meu tio Filipe. No seu último passeio ao campo, comigo e com o meu irmão, cerca de um mês antes de partir, levou-nos até à margem de um ribeiro e mostrou-nos a pedra branca que ali persiste, dizendo ser a preferida da minha avó Francisca, sua mãe, sempre que ia lavar a roupa.
“Pode haver quem te defenda, quem compre o teu chão sagrado, mas a tua vida não”, escreveu Pedro Homem de Mello para Amália cantar. E a vida que não se vende é esta genética de povo e autenticidade.
Que mais e melhor poderei ser eu, para lá desta essência e gesto de esteva que floriu sobre a dor das minhas avós quando lavavam nos rios?
Mesmo que se fechem mil salões e eu fique a versejar sozinho do lado de fora, no terreiro onde usam bailar de roda, os rapazes vadios do bando da madrugada.
Mas o entrudo também pode ajudar-nos a conseguir trazer a alma até à flor da pele, e o meu sobrinho Luís ganhou ontem o gesto e a cor do Super-homem que é.
Lições que cabem numa semana. Uma lição a tempo de não nos deixarmos apagar como cinzas, no fim da festa de longuíssimo carnaval.

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