O repouso das gaivotas e dos mestres…


Há dias em que as gaivotas se oferecem ao repouso nas colunas do cais, só para que os Homens tenham para si, o rio inteiro, sem desculpas para não navegar.
E nesses dias, os Homens celebram os seus mestres e a partilhada sabedoria, em cada gesto de aproveitar o vento, seguindo mais adiante, para onde o coração manda.
Na tarde do último sábado estive cerca de duas horas à conversa com o meu querido Padre António Simões e o meu amigo Manuel Almas, na sala dos meus pais, em Vila Viçosa.
As palavras dos mestres nunca envelhecem, mesmo quando o corpo possa exprimir algum cansaço, rendido ao inevitável tempo, e as palavras dos mestres, nunca deixando de ser sábias, são simples e pequenas, cabendo com muita facilidade neste espaço restrito que somos nós.
Durante esta semana partiu para o Céu, o Senhor D. Maurilio de Gouveia, Arcebispo de Évora durante 26 anos, exatamente aqueles que cruzaram a minha juventude e a de muitos amigos.
Às vezes descobrimos em nós, detalhes grandes de carácter que têm uma proveniência insuspeita, recebidos das mãos da gente maior que se cruzou connosco. São os nossos mestres improváveis que se retiram pela vertigem da idade, mas sempre por entre o eco dos muitos serões em que a vida ia buscando um tom feliz, tal qual as violas entre a afinação e os travessões.
Ontem passeei sozinho por Lisboa, bebendo a brisa do fim da tarde junto ao rio, e acabando na FNAC do Chiado numa tertúlia com o cantor Fernando Tordo, que nos foi explicando a história das suas canções, com a genialidade de Ary dos Santos a voar por ali, porque os poetas são mestres de liberdade, e as suas palavras serão sempre os cravos encarnados que enfeitam a geografia onde os sonhos se alcançam.
Há dias em que os mestres, tal qual as gaivotas, repousam e nos oferecem rios inteiros, para podermos navegar. É a nossa vez de acontecer, e por isso, a esses dias chamamos primavera.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O MUNDO MAIS BONITO E CONFORTÁVEL NUM TEMPO A CHEIRAR A FLORES

“Quando mal, nunca pior” ou a inexplicável rendição à mediocridade

TESTAMENTO DE UM ANO COMUM