Uma metáfora (azul)…


Um rapaz azul caminha depressa, e sozinho, ao longo da praia, não querendo saber dos gestos e dos olhares da multidão que se estende ou brinca ao sol. Só lhe importa a música das ondas, e o seu andar, algo tosco e desajeitado, no dizer de quem o vê, é um baile perfeito entre ele, a água e o céu. Porque nada mais lhe assiste.
Pouso o meu livro, interrompo um poema, e fico ali, por momentos até o ver passar.
Não ousaria jamais pedir-lhe que interrompesse o seu mundo, para vir até aqui, à banalidade do meu, onde os gritos, o postiço dos penteados, a cor dos fatos, e o sabor artificial do morango do gelado, diluem, de uma forma quase perversa, a verdadeira essência do mar.
Resolvo levantar-me e fugir da “sábia” espreguiçadeira de adulto, perseguindo-o, atento, com o olhar: a suprema ambição de um poeta é encontrar alguém capaz de o ensinar a voar.
Ele para de repente, baixa-se, apanha uma concha que a maré deixou por ali, e eu resolvo imitar-lhe o gesto, apanhando uma outra, que embora diferente na cor e no lavrado, poderia perfeitamente fazer par com a sua.
Sem pensar, estendo-lhe a palma da mão com a concha bem visível, e ele responde-me com um sorriso e, finalmente, a doçura atenta de um olhar.
Não existirá nunca um lado certo do universo, nem mundos que sejam, ou não, normais.
Sob a claridade do mesmo sol, existirão biliões de mundos, tantos quanta gente existe, sendo perverso chamar “doente” a quem se recusa a entrar no nosso, sobretudo quando nós não temos arte e coração para sabermos sair dele, encontrando a generosidade para encontrarmos a chave e a disposição para entrarmos nos mundos alheios.
Às vezes, tão só baixarmo-nos para apanhar uma concha da praia.  

  

No dia internacional da consciencialização para o autismo, um beijo muito especial para o meu sobrinho Luís e para todos os seus amigos.
Na diferença, existem bênçãos e oportunidades de sermos maiores e melhores, alargando o mundo que trazemos dentro.

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