Um anjo sentado

Quem no período da manhã já entrou alguma vez na sala de alunos do Hospital de Santa Maria em Lisboa, conhecerá a confusão que habitualmente reina naquele espaço, que sendo amplo e cheio de mesas, é ladeado por dois bares muito procurados por todos os milhares de pessoas que por motivos profissionais ou na busca da resolução dos problemas de saúde, seus ou dos seus familiares, diariamente entram naquele hospital.
Entrei com um colega e colocámo-nos na fila do pré-pagamento com o objectivo de obtermos a senha que nos daria acesso a uma merecida bica que nos confortasse o corpo em dia de sol mas com muito frio.
Concentrados na conversa de trabalho, sem que nos déssemos conta, acabámos por bloquear a saída, pelo que alguns momentos após termos chegado à fila, fomos interrompidos por um senhor com uma idade algures na casa dos quarenta, que manobrando a sua própria cadeira de rodas, se nos dirigiu:
- Os senhores deixam-me passar? Sabem, vou sair porque já estou cansado de estar sentado.
Apreciei o sentido de humor, sorri e “arrisquei” retribuir com uma graça:
- Ora aí está uma posição que eu como alentejano muito aprecio: estar sentado.
O meu interlocutor responde-me com duas perguntas:
- É alentejano? Não me diga que é de Vila Viçosa?
Espanto e dúvida da minha parte. Será que o meu “Calipolencismo militante” já me está escrito na testa? Pergunto:
- Como adivinhou que sou de Vila Viçosa? Conhece-me? Eu deveria conhece-lo?
- Não. Respondeu-me ele. Trabalhei durante muitos anos na RTP e os meus colegas e amigos mais chegados eram de Vila Viçosa, pelo que quando penso numa terra no Alentejo, é ela a primeira que me ocorre.
Sorrimos os três pela coincidência e após se ter certificado perguntando se não nos estava a maçar com a conversa, contou-nos que um dia em trabalho tinha caído de uma escada e iniciado uma vida nova e diferente com a sua mobilidade totalmente dependente daquela cadeira.
A fila tinha avançado em direcção à registadora e o nosso interlocutor tinha pressa para ir fazer os seus exames, pelo que nos despedimos apertando as mãos e desejando-nos mutuamente, sorte, seja lá ela o que for ou o que queiramos que seja.
Não sei sequer o nome deste homem com quem estive à conversa por certo não mais do que dois minutos, mas porque gosto de ver a vida como um processo de acções encadeadas em que nada ocorre por acaso e tudo tem um sentido maior do que aquilo que por vezes aparenta, deixem-me que acredite que este encontro com um desconhecido foi um “bombom de afectos” que Deus me atirou do Céu nessa manhã fria de Janeiro.
Passou por mim um anjo sentado para me insuflar ânimo, vida, para colocar os meus problemas à sua escala real, e também para me recordar que a maior catástrofe que nos poderá acontecer, é um dia deixarmos de saber sorrir, para os outros e também para a própria vida por mais dura que ela seja.

Comentários

  1. Não posso estar mais de acordo com a tua forma de ver as coisas. Quando deixarmos de sorrir e de frazer piadas, onde incluo os nossos prórios delises que servem de piada, deixaremos de viver.

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