Trabalho (O regresso)


É estranha a sensação de voltar a colocar os pés em sapatos formais e não fora o reencontro com as peúgas após quase quatro semanas de férias, e os pés, relaxados e adaptados ao calçado leve e largo dos últimos tempos, não conseguiriam sequer entrar nos ditos.
E então quando ao segundo dia de trabalho nos apanha a chuva? Nós ainda nem reaprendemos a andar com sapatos de sola, quanto mais ter condições para correr e fugir da água que cai.
Nesta rentrée, neste meu “Pontal”, a roupa, esquecida por semanas no armário e derrotada por goleada pelas T-shirts, pólos e bermudas, parece ter encolhido, porque com um despertar assim tão madrugador ao som do toque que não ouvíamos há muito, não há hipótese de nos recordarmos dos petiscos, do vinho, das caipirinhas e sangrias, das sobremesas e de tudo aquilo que pelo facto de estarmos em férias, tornámos excepção acrescentada à nossa regular e equilibrada dieta, promovendo o aumento do perímetro abdominal.
E os cintos são como o algodão: nunca enganam.
Para além disso, como são incómodas as calças para as nossas pernas já habituadas a andar ao léu…
Regressa o ruído do trânsito, as apitadelas, as acelerações e as travagens. E como tudo isso nos fere os ouvidos que calmamente relaxaram durante semanas a ouvir apenas as ondas, numa tranquilidade só ferida à passagem do rapaz das Bolas de Berlim, a gritar em três línguas e a provocar o reboliço nas tumbas de Cervantes e Shakespeare:
- Bolinhas caseiras;
- “Bolinhas caseras recien etchas”
- “Donaaaaatz ó meid”
Pequeno – almoço? Comida é coisa que não apetece porque nos desabituámos de comer tão cedo.
Mais do que nunca, saio de casa com urgência de bica e com intuitos de promoção desta a anti-depressivo. Reparo que o café continua no mesmo sítio e regressaram já os vizinhos com quem todas as manhãs troco simpaticamente os bons dias.
Estamos sentados nas mesas de sempre e a ouvir… as notícias de sempre.
Euro, Grécia, combustíveis, Troika, privatizações, deficit, privatizações, roubos e agressões ao estilo TVI / Jornal do Crime…
Nunca mais repetem os golos da vitória gorda infelizmente rara do Benfica, e por isso saio em direcção ao carro onde a rádio, apercebo-me, dá as mesmas inevitáveis notícias, acrescentando ainda a polémica das touradas que me dá a sensação de estar para este regime como a guerra da Simone e da Madalena, do Calvário e do Garcia, do Diamantino Viseu e do Manuel dos Santos, estavam para entreter a malta nos tempos da ditadura.
E assim, a pensar na dita dura vida dos nossos dias, acelero para trabalhar.
Sabe bem o fresco desta manhã de Agosto que refresca tudo e também a memória.
Afinal de contas para quê lamúrias, se beneficio desse bem raro, valioso e cada vez mais escasso, que é o emprego.
Venha então o trabalho.
E para o ano, que regressem as férias, se ainda as houver, porque por Decreto, tudo muda ou pode mudar.

Comentários

  1. Por mais humilde que seja, um bom trabalho inspira uma sensação de vitória
    Rui Pereira

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  2. Nos tempos em que estamos ter trabalho já é muito bom.
    Bom regresso ao trabalho que para o ano há mais férias.
    M.Pereira

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