O Homem de Jerusalém



As ruas de Jerusalém têm a dimensão do universo inteiro, e as pedras soltas que salpicam de dor a aridez do meu caminho trazem-me aos pés descalços, os ais de tantos Homens esmagados contra as fronteiras desenhadas pelo poder e pela vaidade.
Sortearam-me as vestes e o tempo, e sobre a nudez dos meus ombros açoitados pela injustiça, o madeiro imenso que absorve o sangue que escorre, enraizou nas obscuras florestas da opressão, da fome, da soberba, da desonestidade, do terrorismo, da violência, da pedofilia, da desigualdade, da homofobia…
E só às vezes se cruza comigo a disponibilidade de um Cireneu.
A água que se perdeu por entre as mãos dos Senhores do Mundo durante a esforçada e inútil lavagem da sua hipocrisia, incompetência e perversa ambição, é aquela pela qual clamam os meus lábios ressequidos e onde apenas acode o acre odor do desprezo que herdou do vinagre um gosto assim.    
Escuto muito próximo, o choro das mulheres que acorreram à minha dor, as discriminadas de negro vestidas num interminável pranto em coro pela má sina, a sua e a dos seus filhos.
Rasgar-se-ão ao meio os véus de todos os templos quando a tormenta calar o azul do céu na hora terceira e derradeira de um último suspiro…
E permanecerá um corpo jazente preso a uma cruz erigida no lugar do Gólgota de Jerusalém.
Jesus…
Ainda e sempre cruxificado com os Homens que definham numa praça ou numa rua algures por aí.

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