Entre a cal e o céu...



Mesmo antes do sol, é o canto dos pássaros que anuncia a madrugada, e aos poucos, enquanto a cal se espreguiça pelo casario debruado de azul na esperança de afugentar os maus espíritos, as flores rebeldes que beberam o alento da chuva e perfumam o monte brincam com o sobreiro no rodopiar lento da sua sombra que nunca se esquece de dar o meio-dia.
O Alentejo é isto tudo entre a cal e o céu, o infinito onde também os meus gestos e as palavras se reencontram com a alma que por aqui permanece nas tardes do estio.
Na rua à calma, uma mulher puxa do "caco da cal" e faz o pezinho antes de lavar o portado; passo e digo-lhe boa tarde, ela levanta os olhos, confirma que não me conhece e responde à saudação, voltando imediatamente ao trabalho, não sem antes acariciar o avental de um tecido qualquer.
Conheço este jeito, esta dolência na voz... Sob o canto dos pássaros por entre os alperces que se esgueiram do muro do quintal da casa desta mulher.
Os pássaros que ainda não vi mas que me "abraçam" forte desde a madrugada.
O Alentejo é este tanto de verão que se sente no campo e na gente muito para lá da claridade de um doce e suave despertar.
E eu sou um seu eterno irmão, sou infinitamente mais do canto que tu semeias em mim do que de tudo aquilo que o sol possa de mim contar.

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