A minha família é a casa onde poderei sempre andar descalço…


A minha família é a casa onde poderei sempre andar descalço, porque nada magoa, em nada se tropeça, e nunca há o risco de escorregar e cair no chão.
Com janelas de parapeitos altos e generosos, estão dispensados os telescópios e os binóculos na hora de sentir o céu e palpar todos os horizontes. Mas a minha família tem ameias e torreões fortes, ao jeito de um castelo imenso e transparente, não existindo, para mim, um melhor abrigo.
Na minha família cultiva-se a fé, e foi lá que aprendi a rezar:
- Menino Jesus vamo-nos deitar, esperanças em Deus que nos virá salvar.
E ainda hoje, muito cedo pela manhã, eu escrevo versos de amor e liberdade enquanto a minha mãe percorre o terço. O sussurrado tom onde lhe perceciono as Ave Marias é como um vento que me beija e me levanta no ar, saindo para voar desde os parapeitos das altas janelas, algures entre a ousadia e a segurança.
Na minha família, o amor, assim como tudo o mais que é importante, não precisa dizer-se sob a frustrante limitação dos discursos, porque há sempre rosas frescas nos canteiros que ladeiam o olhar, e porque os gestos são beijos infinitos e incansáveis que se prendem à alma de cada um.
Na minha família há sempre um cântaro de água fresca, um pão de trigo, a luz generosa de uma candeia de azeite… porque o caminho é longo e nem sempre claro.
A minha família é uma casa simples e sem pretensões de veludos, ouros ou cortinas, para que nada possa distrair-nos deste tanto querer ser feliz que nos preenche a vontade e o destino. Sorrimos sempre com aquilo que temos mais à mão, e a alegria que escorre de nós semeia flores por todos os recantos.
O silêncio de alguns instantes serve apenas para melhor podermos saborear a paz.

Passam hoje 53 anos sobre o casamento dos meus pais. A eles e ao meu irmão devo tudo aquilo que de melhor vocês possam reconhecer em mim.

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