Regressar à essência...


Como explicar que entre o copo de gin, onde reluz uma imensa casca de laranja, e a lua cheia que se insinua à noite de Lisboa, o meu olhar reza quando encontra o teu?
Como fazer entender que a “divindade” do corpo se prova neste estremecer em harmónio que lhe oferece um beijo de amor?
Estranhamente, os Homens procuram a “Luz do mundo” nas caves mais escuras do universo, como se o martírio fosse o caminho mais eficaz e lógico para chegar a Quem nos ensinou a ressuscitar por entre as madrugadas. Veste-se a morte mesmo quando o coração nos grita vida, na renúncia de acreditar que o Céu não é o destino para quem morre e se “mata” assim, o Céu é hoje e aqui, porque Deus brilha no sorriso de quem está vivo e imprime ao corpo a mesma dimensão de vida que lhe mora na alma.
E quem vive nas cavernas tropeça na sua própria cegueira, no proibido e no perverso, sem temer nada porque nada se vê.
Muito se tem falado ultimamente de pedofilia na Igreja Católica envolvendo às vezes perversas generalizações.
Durante os anos da minha adolescência e juventude militei em movimentos católicos, tendo passado centenas de noites em seminários e casas de retiro, sem que nunca, mas mesmo nunca, padres ou freiras se tenham insinuado sexualmente à minha pessoa. Muito antes pelo contrário, guardo no melhor de mim, as palavras e os gestos dessa tanta gente honestíssima que me ajudou a crescer.
Mas a pedofilia existe mesmo no seio da Igreja Católica, e as notícias sobre o assunto não são frutos de um ataque vão que emana de gente descrente. Valendo mais tarde que nunca, o que se exige sem tréguas é a denúncia e a condenação pela prática de um crime hediondo e sem perdão, num contexto onde se usa e abusa da moral.
Eu tenho amigos que casaram com a bênção da Igreja quando pensavam ter encontrado o amor que lhes preencheria a vida, mas que, contra a sua vontade, viveram tormentos que os conduziram ao divórcio, e muitas vezes, felizmente a reencontrarem a paz e o amor nos braços de um outro alguém que se lhes cruzou no tempo.
Como entender que uma organização se manifeste intolerante perante esta gente boa e tente esconder criminosos?
Jamais entenderia esta incongruência, e se aos leigos é permitida uma palavra contra, aqui está a minha, insurgindo-me perante esta moral das cavernas e dos caminhos escuros onde aquilo que não se vê não conta.
É sempre bom não esquecer que o silêncio dos honestos é o abrigo mais confortável para quem não o é.
Talvez ajudasse começar a entender e a viver o amor, assumindo que o corpo e a sexualidade não são fardos que a alma carrega no seu suposto caminho de dores até ao Céu, sendo a fala da alma por onde o amor se expressa com ardor e dignidade.
Regressar à essência onde o amor é divino, e assumir essa raiz do Homem em todas as vertentes do ser, acredito que nos livraria de muitos dolorosos equívocos.
Deus mora nos jardins onde as flores brilham ao sol à espera do beijo das abelhas que trazem aos dias o travo sensual do mel.

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