Viagens improváveis...


Sigo imerso na leitura dos jornais e nos jogos de palavras e números, enquanto a carruagem rasga o estio subindo a norte. Só por alturas de Espinho reencontro o mar, deixando-me atrair pelo sol e permanecendo à tona, consciente, até cruzar o Douro e chegar ao Porto.
Numa manhã de domingo e apenas com um livro e um jornal debaixo do braço, passageiro sozinho num comboio a transbordar de turistas e malas de viagem, eu vou ao encontro de um almoço perfeito de poetas e de uma tarde que poderá ser muito… ou quase nada.
O senhor José aproximou-se da mesa pequena onde decorria a minha sessão de autógrafos na feira do livro do Porto, tem oitenta e dois anos e estava acompanhado pelo filho. Foi ali de propósito para encontrar o homem que escreve aquelas palavras que lê nas manhãs do Facebook.
Não foi fácil encontrar-me, mas, finalmente, ali estávamos nós frente a frente por entre girassóis na lua e a promessa de um livro de poesia que será publicado em breve, e de um outro que seguirá pelo correio.
Quando as palavras voam das nossas mãos cumprindo o destino nómada que lhes oferece a alma, jamais saberemos em que peito anónimo irão encontrar guarida, ficando por ali entre o vento e o sol de muitos dias.
Legitimamente, as palavras são muito mais de quem as sente do que de quem as ensinou a voar, tal como a gaivota é da praia onde enfeita o céu, e não do ninho onde nasceu entre as quentes asas maternas.
Uma tarde de tanto, um pouco antes de regressar a Lisboa, já sem o mar de Espinho e o sol a entrar na janela, mas com o conforto dos dias em que o olhar tem o privilégio de seguir a rota das palavras, podendo acampar, nem que só por minutos, na vida daqueles que caminham connosco nos claustros monásticos do tempo, de pés descalços mas de almas entrelaçadas à mesma forma de sentir.
Há domingos que oferecem viagens improváveis dentro da rota dos velhos destinos.

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