A arte do simples

O arquitecto Souto Moura recebeu o Prémio Pritzker que está para a arquitectura como o Nobel para a literatura, para a medicina ou para a economia. Depois de Siza Vieira em 1992 torna-se assim o segundo Português a ter o seu nome na lista restrita de vencedores.
Sou desde sempre um admirador confesso da obra de Souto Moura e o que mais admiro nesta obra é a forma como se chega ao requinte da arte num ponto muito elevado, sempre partindo das linhas e traços mais simples.
O estádio de Braga espantou o mundo durante o Euro 2004 e não foi só pelo enquadramento magnífico numa antiga pedreira, foi pela elegância das suas formas que dissecadas ao detalhe nos permitem chegar às linhas e formas geométricas mais elementares.
A mais recente Casa das Histórias da Paula Rego, em Cascais, permite-nos antever logo à partida o mundo de sonho e de fantasia para a qual nos transporta a obra da pintora. Souto Moura coloca aqui a arquitectura como expressão de uma leitura atenta e sofisticada feita por si das obras de arte que o museu iria albergar.
Admiro-lhe também a forma como respeita o espaço cultural onde as suas obras se enquadram.
Há alguns anos, quando pela primeira vez fiquei alojado na Pousada de Santa Maria do Bouro, fiquei em dúvida quando fiz a última curva da estrada que nos conduz a este antigo mosteiro do século XII, pensando não ser ali a pousada pois visíveis no edifício, exteriormente, só o eram as marcas do tempo passado quando albergava os monges da Ordem de Cister, pensando eu ser impossível alguém poder pernoitar num monumento que em nada aparentava ter o mínimo conforto exigido no então século XX.
Porém, a pousada era mesmo ali e o edifício oferece um conforto extraordinário, só que a intervenção de Souto Moura foi feita de forma a não beliscar minimamente o antigo mosteiro e os elementos arquitectónicos que dele chegaram aos nossos dias.
Há algumas semanas atrás encontrei o arquitecto Souto Moura na famosa cervejaria Cufra, na Avenida da Boavista, no Porto. Ainda trocámos algumas palavras motivadas pela circunstância de estarmos ambos na fila que aguardava mesa para almoçar juntamente com os nossos respectivos acompanhantes.
E ali estava eu, modesto mortal, a aguardar mesa no restaurante ao lado de um Prémio Pritzker, que ainda por cima e por ter chegado depois de mim, se sentou também depois de mim.
A simplicidade da arte é também acompanhada pela simplicidade do artista, provando mais uma vez que quando o valor intrínseco é enorme, nada mais é preciso para se ser grande.

Comentários

  1. Há dias, o Expresso trazia uma entrevista com Souto Moura a propósito desse prémio. A justificação que ele dava para o estádio do Braga ter apenas duas bancadas era simples: "o futebol joga-se da direita para a esquerda e vice-versa. Então para quê bancadas nos topos? Só se fôr para as claques, mas essas também não vão aos estádios para ver futebol". São assim os visionários.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

O MUNDO MAIS BONITO E CONFORTÁVEL NUM TEMPO A CHEIRAR A FLORES

“Quando mal, nunca pior” ou a inexplicável rendição à mediocridade

TESTAMENTO DE UM ANO COMUM