A Tuberculose e o “Melhoral Infantil”

A justiça é um dos pilares essenciais de uma sociedade equilibrada, velando pelos direitos e deveres dos cidadãos e assegurando de forma eficaz que as regras definidas e assumidas pela maioria, no âmbito de uma democracia plena e activa, são inteiramente cumpridas.
Reconheço à justiça uma função profiláctica com o objectivo de evitar desvios, mas também uma função punitiva sempre que se comprove a ruptura e a violação das regras, devendo existir sempre, nesta última situação, o cuidado de nunca ferir a dignidade da pessoa, dando à punição, simultaneamente, uma perspectiva para além castigo, uma busca de reinserção.
Neste contexto, entendo por essencial que as regras sejam claras, que todo o modelo de justiça esteja adaptado à realidade do momento que se vive, e que a justiça seja eficaz na metodologia e no tempo.
A intervenção da justiça na recente agressão de uma jovem por outras jovens e que foi parar à Internet pela mão de um outro, pelo facto de estarmos perante indivíduos menores de idade, gerou na sociedade Portuguesa uma acesa discussão que como é nosso hábito levou a colocar o acessório no centro das discussões, fazendo passar para segundo plano o essencial: há uma violência inaceitável entre os jovens.
O espectáculo dos agentes da justiça, dos políticos e dos fazedores de opinião, a discutir o assunto de forma violenta, demonstra desnorte, evidencia fragilidades que abrem perigosamente espaços a que episódios semelhantes se sucedam.
Em vez de hesitação exige-se a força da concertação, a convicção na defesa do que está certo e o combate ao que está errado.
Pergunto-me porque é que isto acontece e encontro de imediato algumas óbvias justificações.
A primeira tem a ver com as regras e o enquadramento penal da sua violação. O Portugal de hoje é diferente do de há 20 ou 30 anos atrás, há novas formas de vida, novas tentações, novos crimes, novos medos, novos interpretes, há um entrar mais precoce no crime, mas continuamos a ter uma justiça dos tempos em que éramos um país de mais brandos costumes, dos tempos em que na minha Vila Viçosa, a maioria das casas não se fechavam à chave, era só meter a mão ao postigo e abrir o trinco.
A segunda é o funcionamento da própria justiça que por ser lento e demasiado complexo, composto por uma rede de sucessivas e infindáveis recursos, anula a própria justiça pois nenhum de nós acredita que ela exista.
E se todos acreditamos que a justiça não existe, quem quer violar as regras está atento e sabe que pode intervir, e o crime avança.
A justiça que temos está para o mundo que somos como o “Melhoral Infantil” está para a Tuberculose: o problema é demasiado sério para que em termos de profilaxia ou tratamento seja abordado por um fármaco saboroso mas terrivelmente ineficaz.

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