Eficiência à Portuguesa

São 10 horas e 30 minutos e eu chego à Estação dos CTT do Cacém para levantar uma encomenda.
Dirijo-me à máquina fornecedora de senhas, escolho a categoria de atendimento geral e recebo a dita com o número 94. Apercebo-me então, vendo um quadro electrónico que apita a cada mudança de número, que o último cliente a ser chamado para o atendimento geral foi o da senha 74 e compreendo então o motivo pelo qual a sala está tão repleta de gente.
Procuro um local que me permita ver o dito quadro que passa os números e não impeça a visão dos meus companheiros de sala, e inicio a minha espera.
A estação tem 8 balcões mas só 3 estão em funcionamento beneficiando da presença de uma funcionária.
A mudança dos números, sinal de mais um cliente que vai sair porta fora, é sempre antecedida pelo soar de um carimbo, que é batido com tal vigor, que mais parece o rebentamento de uma bazuca em cenário de guerra. Só que é longo o tempo de espera entre cada conjunto formado pela “carimbadela violenta” e a mudança de número.
Observo as três funcionárias e identifico perfis diferentes para cada uma delas.
A mais nova é despachada e até chama um outro número quando o cliente que acabou de atender ainda está a recolher os seus pertences para abandonar o balcão.
Há uma outra, penso que a mais velha, que é lenta e não olha para as pessoas. Atende com o olhar fixo no que deduzo seja um monitor de um computador que estará à sua frente tapado pelo balcão.
À terceira vou chamar de distraída. Quando acaba de atender alguém espera sempre uns momentos antes de chamar outro cliente, o tempo suficiente para fazer uns comentários com a despachada, que se encontra ao seu lado, ajeitar os óculos e compor o cabelo. A atender alguém, fá-lo num volume tal que nos oferece a todos a oportunidade de conhecer quais os motivos que trouxeram aquelas pobres criaturas aos CTT numa manhã de Setembro.
A determinada altura, a lenta, que tinha estado até aí a atender senhas que não eram de atendimento geral, levanta-se e desaparece.
Volta após uns 5 minutos do seu desaparecimento e quando eu levava já uns 20 minutos de espera. Começa a chamar as senhas do geral.
Aumenta-me a esperança e penso de mim para mim:
-Agora com três a atender, isto vai andar mais rápido.
Errado.
A distraída, que para além dos deficits de concentração e da voz potente também deve ser cafeinómana, informa as outras que tem de ir tomar um café e desaparece de vez. Nunca mais a vi.
A lenta, desde que regressou permanece com o mesmo cliente. Olha longamente para o seu suposto computador. Após 10 minutos passa para o computador do lado e após mais algum tempo apercebo-me que encontrou o que buscava: o registo de uma carta não levantada em 27 de Julho.
Não está mal. Sendo tão lenta não foi nada mau ter demorado 15 minutos para ir de Setembro a Julho.
Só que encontrado o registo, o cliente não ficou despachado porque ela teve de ir “lá dentro” pedir uns esclarecimentos à chefe.
Entretanto, a despachada é absorvida por uma funcionário de uma empresa que lhe leva um caixote de cartas e desaparece também do balcão.
Durante 5 minutos, ficamos todos a olhar para balcões vazios.
A minha impaciência aumenta mas apercebo-me que das dezenas de pessoas que sempre se vão mantendo no espaço, muitas delas entretidas a conversar umas com as outras e devidamente sentadas nos poucos bancos existentes, eu devo ser o único com alguma manifestação de ansiedade, pois os restantes, na sua maioria seniores, estão nas suas sete quintas, dando-me inclusive a sensação de que quanto maior for a espera, tanto melhor, pois assim sempre têm um motivo para estar fora de casa a conversar com alguém, poupando-se a ter de regressar ao seu domicilio para serem vitimados pelo Goucha ou pela estridente Júlia Pinheiro, que ainda deve ser prima da desaparecida funcionária distraída que foi à bica.
A despachada regressa, a lenta despacha finalmente o cliente de Julho e começam a chamar números a um ritmo razoável, havendo apenas a registar a chegada de alguns clientes pertencentes a essa classe tão lusitana dos “chicos-espertos”, que furam descaradamente a regra da espera colocando-se à quina do balcão e atacando com a sua arma favorita: “É só uma perguntinha”.
91, 92, 93 e 94. Coube-me a lenta em sorte.
Dirijo-me ao balcão, digo bom dia e ela, sem olhar para mim responde qualquer coisa indecifrável ao jeito de “oooon ia”, o que deduzo seja bom dia em “funcionarismopubliquês”.
Olha para o meu bilhete de identidade, sem olhar para mim e sem poder confirmar que é meu, levanta-se e desaparece, volta com a encomenda, entrega-ma, pede-me o dinheiro, recebe-o, conta-o, dá-me o troco e despede-se de mim com um amável: “Tá despachado”.
É verdade, estou finalmente despachado. São 11 horas e 20 minutos.
Demorei 50 minutos para recolher a minha encomenda, o que equivale a 3,47% do tempo do meu dia de hoje, 4,63% do tempo em que estarei acordado.
Saí da estação e peguei no carro com ganas de matar alguém.
Numa curva da estrada, passando o Tagus Park vislumbro o oceano azul, penso no dia lindo de verão, e após um diálogo interno entre o meu eu Dr. Jekyll e o meu eu Mr. Hyde, respiro fundo e penso:
- Tem lá calma. Isto é Portugal. Não te aborreças. Tu agora até vais a caminho de uma feijoada à Transmontana.

Comentários

  1. Passou-se algo muito semelhante comigo há pouco tempo, quando fui obrigada a ir pedir um atestado médico ao meu médico de família, porque (pasme-se!) o atestado que me passaram no local onde fui submetida a uma cirurgia a ambos os olhos não serve! Para os funcionários públicos só serve um determinado tipo de atestado que, por acaso, até diz muito menos do que o anterior, mas não interessa! Até porque o meu médico perguntou se só queria aqueles dias, pois poderia passar-me o que eu quisesse. Atenção que eu já tinha tido alta do Centro Cirúrgico...
    Enfim...
    Eu esperava impacientemente e todos diziam que era normal o médico ter ido tomar café e/ou fazer um intervalo entre cada utente. Quase incitei as pessoas à revolta, mas não resultou porque estavam na situação que descreves: sem nada para fazer e resignados, aproveitando os momentos para falar de dois dos seus temas preferidos: as suas doenças e como era melhor nos seus tempos...
    Ainda insisti uma ou duas vezes: "Isto acontece porque nós deixamos..." ou "Se reclamássemos, eles teriam que cumprir..."
    Não tive sucesso!!

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