A lição do medo


A foto acima recorda-me a tarde do dia 30 de Agosto de 1998, na primeira vez em que subi às torres gémeas do World Trade Center, em Nova Iorque. Guardei a foto e com ela o bilhete de 12 dólares que me possibilitou o acesso ao “topo do mundo” para ver de forma privilegiada a ilha de Manhattan, coração desta cidade que nunca dorme e que é definitivamente a cidade do mundo de que mais gosto.
Um dia há não muitos anos, numa candidatura de Nova Iorque à organização de uns Jogos Olímpicos, o lema escolhido foi o mais verdadeiro possível: “Nova Iorque – A cidade que é a segunda casa para toda a gente”.
Tenho dificuldade em enunciar os motivos pelos quais gosto de Nova Iorque. É sempre assim quando tentamos justificar pela razão o que é eleito pelo coração. Mas talvez o principal motivo seja o conforto que a cidade oferece a todos, fazendo com que as múltiplas culturas, religiões ou etnias não possam ser designadas por diferenças, sendo apenas e só, cores diferentes num painel perfeito e ilustrativo do que deveria ser o nosso mundo.
Voltei e voltarei sempre a Nova Iorque. Ao cimo do World Trade Center regressei em Março de 2011, sem ter a noção de que era a última vez que o poderia fazer.
Estava em trabalho num hotel em Berlim na tarde do dia 11 de Setembro de 2001 quando um colega irrompeu pela sala e nos alertou para umas imagens que a CNN estava a transmitir de um acidente que envolvia um avião comercial e uma das torres do World Trade Center de Nova Iorque.
Desci para o átrio com os meus colegas e juntámo-nos todos aos outros hóspedes do hotel que se encontravam em frente aos televisores, a tempo de ver o embate de outro avião com a torre gémea da primeira, entendendo que afinal o acidente era um ataque terrorista com uma marca brutal de crueldade.
Na perplexidade do momento, recordo-me de pensar nos colegas que tinha nessa altura em trabalho em Nova Iorque, de temer pelas suas vidas, e recordo o desconforto e a tristeza pela ferida aberta num espaço que afinal também já era meu.
O tempo e o espaço que nos fazem felizes são sempre adoptados e feitos nossos.
Não tive logo a noção, mas agora sei, nesse dia o mundo mudou.
A partir desse dia ficámos com uma noção imensa da nossa vulnerabilidade e de como a guerra, sobretudo a guerra imunda e cobarde chamada terrorismo, pode acontecer quando menos esperamos e a qualquer momento da nossa vida pacífica e tranquila de cidadãos comuns.
E em 11 de Março de anos depois, aprendemos através de Atocha em Madrid, como ela pode estar tão perto de nós.
No dia 14 de Setembro de 2001 apanhei um avião para fazer a viagem de regresso de Berlim a Lisboa.
Recordo-me de olhar em volta e ter medo, tal o aparato policial e militar nos aeroportos.
Ao contrário do que até aí acontecia em todas as viagens, recordo-me de olhar para as faces dos que me faziam companhia na sala de embarque, e em vez de os olhar como possíveis companheiros de lugar para uma viagem tranquila e até interessante por qualquer conversa que pudéssemos ter, tê-los olhado com medo de que algum deles pudesse ser um assassino que a todos nos fizesse explodir algures nos céus da Europa.
Quando o medo substitui assim a esperança, matamos a poesia que a vida sempre encerra em si e ficamos todos infinitamente mais pobres.

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