Feira dos Santos

O dia do ano em que a estrada de paralelos entre Vila Viçosa e Borba se tornava mais curta era sem dúvida o dia 1 de Novembro. E o motivo era a Feira dos Santos na localidade nossa vizinha.
A pé, de bicicleta, de moto, de carro ou de autocarro na versão de permanente vai-vem, tudo servia para nos ajudar a percorrer os cinco quilómetros de um caminho que antes da explosão do mármore, era ladeado por olivais e muros caiados de branco.
Em família, com os meus pais, o meu irmão, os meus tios, os meus avós, e anos mais tarde já com os meus amigos, sempre elegemos o autocarro como nosso meio de transporte. Apesar das filas no Rossio junto ao mercado serem habitualmente grandes, sempre tínhamos a oportunidade de pôr a conversa em dia com algum parente ou amigo que estivesse por perto.
Apesar do Outono, o tempo geralmente ajudava. A excepção terá sido mesmo o ano em que a força da chuva e o peso da água, fizeram com que uma tenda caísse em cima da minha amiga São Duarte.
Não me recordo de uma feira maior do que esta em toda a região, e guardo a imagem das barracas a invadir muitas das ruas de Borba, num cocktail extraordinário de residentes, visitantes e feirantes, não se conseguindo distinguir quem era quem.
Numa época pré centros comerciais e hipermercados, eram dois os atractivos especiais desta sessão especial e anual de compras, fruto da sua boa e estratégica colocação no calendário: as iguarias do Outono e o vestuário para o Inverno.
Imagino eu que para além disso, a extraordinária profusão de tascas e o vinho novo chegado às pipas, também pudessem ser atractivo especial para alguns seres mais empenhados em aconchegar o corpo e a alma com os néctares de Baco.
No geral e para o conforto do estômago, comprávamos castanhas, nozes, passas de figo e peros (desculpem mas eu pertenço a essa categoria de seres raros que conseguem distinguir peros de maçãs). Nunca esquecíamos também o inevitável Torrão de Alicante, o melhor amigo dos nossos dentistas.
Para enfrentar o Inverno, adquiríamos botas, capotes, samarras, blusões, impermeáveis, camisolas de lã, cuecas, ceroulas, camisolas interiores com pelo e meias de lã.
Era ver-nos todos catitas na escola no dia seguinte, de roupinha nova e com as botas de couro a cheirar a sebo, encarregando-se sempre o meu avô Joaquim deste untar das botas para que elas tivessem maior resistência, maleabilidade e melhorassem a sua impermeabilidade.
No final do dia, para regressar da feira, apanhávamos o autocarro de volta a casa, depois de o vermos usar e abusar da marcha-atrás em manobras difíceis na apertada estrada, pois por esse tempo os autarcas ainda não tinham inventado as agora famosas rotundas.
Vínhamos felizes e jamais o cansaço de um dia diferente, nos impedia de ir para o quintal acender o fogareiro de carvão para assarmos as castanhas, que quentes e boas, eram a inevitável sobremesa no jantar desse dia.
Hoje, dia 1 de Novembro de 2011, fui ao Cascais Shopping comprar o presente para o meu pai que faz anos daqui a dias, e no meio da sofisticação das marcas e das lojas, senti saudades desse tempo que aqui decidi partilhar convosco, um tempo que era marcado sobretudo pela simplicidade e pelo facto de termos tempo e arte para saborear as pequenas coisas, tornando-as grandes, e fazendo santos, estes dias de todos e de todos os Santos.

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