Sementes de Esperança

Estaria eu a entrar na minha segunda década de vida quando o Padre Armando Tavares chegou a Vila Viçosa à Paróquia de S. Bartolomeu.
Neste final dos anos setenta, o clima político era quente nas terras do sul, e frescas, eram só mesmo as memórias da revolução recente, fazendo-se do combate à Igreja Católica, uma marca forte dos dias da contestação e de uma juventude a crescer para as novas liberdades.
Em contra-ciclo nesta lógica anticlerical, após os anos da catequese da instrução primária, eu e mais uns amigos, tínhamo-nos mantido unidos num grupo dinamizado pelo Padre José Luís Francisco e pela minha querida e eterna catequista Bárbara Elisa.
O Padre Armando chegou e juntou-se a nós para nos conduzir até aos dias mais bonitos e felizes das nossas vidas.
Com uma paciência infinita, uma generosidade sem igual e a humildade que gera as maiores cumplicidades, o Padre Armando “aturou-nos” na idade difícil e insuportável das nossas certezas absolutas, levando-nos pela mão por esses trilhos desafiantes mas certos onde se saboreia a presença de Deus e que desembocam na felicidade.
Reuníamo-nos todas as quartas-feiras à noite na Casa Paroquial de Nossa Senhora, na Corredoura, para aí partilharmos o todo das nossas vidas, sem tabus e olhando sempre tudo pelo prisma da fé e da Palavra de Deus. Por nos sentirmos a crescer e porque o fazíamos com a perspectiva de um futuro grande e bom, chamámo-nos com toda a legitimidade, Sementes de Esperança.
Com a companhia do Padre Armando, fizemos tudo o que faziam os jovens da nossa idade: caminhámos pelo campo, nadámos nas albufeiras, fizemos piqueniques, petiscos, viagens, mas sempre, em todos os momentos, rezámos e unidos uns aos outros, provámos o doce da presença de Deus.
Com o Padre Armando rezámos laudes na Ermida de S. Jerónimo, na Tapada, celebrámos a eucaristia no Monte dos Apóstolos, e celebrámos a penitência e a eucaristia no Bosque de Borba, em momentos que jamais se apagarão da minha memória e que para sempre ficarão gravados a ouro no curriculum da minha existência.
Um dia o Padre Armando partiu de volta a Proença e nós partimos também pelos caminhos que nos fizeram Homens, fazendo germinar a semente e dar corpo à esperança.
Em Março passado, numa tarde escura de um domingo de primavera envergonhada, fui até ao Seminário de Proença-a-Nova com uns amigos, para estar com o Padre Armando, fazer-lhe companhia e dar-lhe um pouco de alento na doença que há muito o atormentava.
Reunimo-nos à volta dele como há trinta anos atrás.
Rimo-nos muito, comovemo-nos, lembrámos os ausentes, recordámos as nossas famílias, falámos da vida, da doença e da morte, falámos de fé, falámos de Deus.
Com tranquilidade, o Padre Armando partilhou connosco a forma como a doença o tinha feito crescer na fé e aproximado de Deus, e deu-nos sinais e provas de como serenamente aguardava a chamada para a viagem dos eleitos, a viagem para a casa do Pai.
O Padre Armando presenteou-me com um raro testemunho de fé e uma das mais fortes lições de vida.
Depois do jantar, despedimo-nos à porta do Seminário com o brilho nos olhos que é prova deste humano sentimento de saudade de quem sabe que só se voltará a ver um dia mais tarde, mas noutro lugar que não sobre a terra.
Recebi hoje a notícia de que o Padre Armando partiu para o Céu, e aqui no meio de Londres a olhar um Hyde Park tingido de Outono, as lágrimas que o coração me faz aflorar aos olhos, são mais do que de saudade, são de comoção por esta bênção maior de um dia Deus me ter feito beneficiário da presença de um seu apóstolo eleito que chegou para me injectar vida e fazer-me feliz.

Comentários

  1. Permite-me que o meu comentário seja apenas transcrever uma parte do teu texto: "Com tranquilidade, o Padre Armando partilhou connosco a forma como a doença o tinha feito crescer na fé e aproximado de Deus, e deu-nos sinais e provas de como serenamente aguardava a chamada para a viagem dos eleitos, a viagem para a casa do Pai.
    O Padre Armando presenteou-me com um raro testemunho de fé e uma das mais fortes lições de vida."

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  2. Um homem que certamente nos marcou a todos, pelo que foi na nossa vida, os momentos que passámos juntos e enquanto esteve connosco o que nos ajudou a crescer. Após tantos anos, aquele reencontro no Seminário de Proença, foi um sinal de Deus feito homem, aquela tranquilidade, as suas palavras, o seu testemunho fizeram-nos pensar muito sobre as nossas vidas. Deus seja louvado por o Pe. Armando fazer parte da vida de tantos como nós!
    Manuel Almas

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  3. Ao ler este texto., recordo esses momentos do inicio dos sementes de esperança. Recordo o dia em que ele me chamou e disse. o que achas de te juntares ao grupo de jovens? Levas a viola e cantamos juntos. Esse foi o primeiro dia do resto da minha vida. Rodei 180ºC da direcção que levava. Quando soube da noticia disse no instante que uma lagrima caiu: Partiu o homem que me salvou. Revivo cada aventura que passamos juntos, revejo-me ainda nos sementes de Esperança

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