E tudo marchou…


Há alguns anos que não me oferecia o abandono do sofá em noite de Santo António, mas ontem, não resisti, entreguei-me à noite maior da capital, e lá fui descer a avenida, lado a lado com as Marchas, mas pela lateral, claro. E de copo na mão, que a noite era de festa.
O Marquês de Pombal sem trânsito é um privilégio de dias raros, e o primeiro sentimento, confesso, foi de saudade das festas de campeão do meu Benfica, ultimamente também elas demasiado raras. Mas, o Marquês sem o seu trânsito normal, que outro especial circulava, e não tivesse eu acordado a tempo deste meu onírico delírio Glorioso, e acabaria atropelado por um autocarro da Carris que transportava os marchantes de Campolide, aos gritos de “É, é, é, Campolide é que é” , arrumados em camadas ao estilo de “30 pessoas num mini”.  
Começamos a descer a avenida e por entre milhares de cabeças, procuramos nas zonas mais iluminadas e onde as marchas dançam, o melhor lugar para observar as coreografias, porque o som, de tão desafinado, esse até pagaríamos para não o ouvir nunca.
Passa a Bica, o Alto do Pina, a Madragoa, Carnide…
E a malta dos passeios grita o nome do seu bairro ou então de algum parente que vai na marcha. Definitivamente, e pelos ditos gritados a plenos pulmões, os Joaquins, os Manuéis e as Marias já morreram para as marchas, e deram lugar às Vanessas, às Brunas e aos Vanderleis.
Nos adereços das marchas há de tudo, e tudo serve para chamar a atenção do júri. Sardinhas saltitantes, gaivotas atadas ao toutiço, leques de veludo e até as muito alfacinhas, gôndolas de Veneza. No topo da surpresa, confesso, jamais imaginei ver as marchantes do Bairro da Graça com perucas cor-de-rosa, num grande estilo algures entre travestis e Hello Kittys.
Avenida abaixo e enquanto não dançam nos locais próprios, as marchas desalinham, as mulheres descalçam-se e coçam os joanetes, agrupam-se para fumar uma cigarrada em pose de “escachadas” e desajeitadas, os homens praguejam contra o peso dos arcos que os malvados dos ensaiadores inventaram para o momento… Tudo numa exposição de bastidores demasiado má para ser verdade.
Os padrinhos e as madrinhas, um casal por cada marcha, saltaram dos ecrãs da TVI ou das folhas da Caras, para vir animar a malta e pôr o povo a gritar pelos bairros onde possivelmente nunca puseram os pés e que, penso que em muitos casos, nem sabem sequer se situam na geografia da capital:
- Bibá Pita, por favor, a menina não abuse tanto do Red Bull, porque a sua performance na Marcha de Santa Engrácia até a nós deixou sem fôlego.
Caturreira.
E a meio do desfile, passam os noivos de Santo António.
Lindos.
Confesso que dos arranjos dos cabelos delas tirei ideias para a Árvore de Natal de 2012.
Vêm com o “entusiasmo” natural e a vivacidade de quem há doze horas não faz outra coisa do que andar a subir e a descer a avenida. Acenam as mãos sem mexer o cotovelo, um pouco ao jeito de “Princesas Kates da Brandoa”.
Não sei porquê lembro-me da Gertrudes Tomás, a eterna madrinha.
Que boa madrinha dos noivos daria a Maria Cavaca e que bem alinhada estaria com esta festa.
Acordo do sonho porque por detrás de mim, uma voz feminina, grita:
- Ainda aqui andam? Assim não conseguem perder a virgindade esta noite.
Apetece-me virar para trás e responder-lhe:
- Ó minha senhora, isso já nem era assim nos tempos da Gertrudes Tomás.
Virgindade?
Continuamos a descer e passamos por detrás do palanque VIP onde não há sinais dos ditos, estarão a ver as danças. Ou então, suspeitamos pela presença da carrinha do Catering, estão a “afiambrar-se” no croquete.
Há cerveja e sangria por todo o lado. A “cerbeja do norte” ganhou a guerra, e apesar de a Sagres ter posto na cabeça da populaça chapéus em forma de manjerico, sardinha e coroa de Santo António, dominou a avenida em múltiplas barracas onde nos vamos revezando a atestar os copos.
Mas a cerveja não se compra, aluga-se, e lá tivemos nós de ir à procura de uma casa de banho.
Havia-as, improvisadas, de campanha, por toda a lateral da avenida. Esperamos na fila, ansiando por uma mola para colocar no nariz pois a cada abertura da porta de plástico, sentíamos que o inferno estava ali à nossa espera.
Já corre uma brisa fria e estamos a chegar aos Restauradores. Vem lá o Castelo e a festa parece estar a acabar.
Está mesmo.
Acaba de passar por nós um noivo ainda de fraque, acompanhado por uma noiva já em calças de ganga e com o vestido pendurado do braço, assim como de uma prole familiar de mulheres em chinelos, aliviadas e felizes por finalmente poderem libertar as artroses após tantas luzes, câmaras e “Joões Baiões”.
E nós?
Vamos ter de subir também a avenida e não será fácil. Precisamos da força de uma bifana. Procuramos mas não as há por ali.
Há sandes de presunto made in Serra da Estrela. Aproximamo-nos da banca ao jeito de pedir desculpas por incomodar um grupo de jovens que se entretinham uns com outros numa amena cavaqueira e lá conseguimos o bendito troço de pão que comemos avenida acima, fazendo slalom por entre os carros do lixo e as carrinhas de lavagem das ruas.
Chegamos de novo ao Marquês e já rola o trânsito.
Lisboa não morre mais.

Comentários

  1. O MELHOR DA VIDA E VIVER A VIDA SEMPRE EM FESTA COM COPOS SEM COPOS COM SANDES SEM SANDES , PORQUE NESTES DIAS NAO CRISE , PELO MEENOS VAMOS TENTAR ESQUECER AS NOTICIAS DO DIA A DIA
    RUI PEREIRA

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  2. VAMOS VIVER O DIA DIA PORQUE A VIDA E UMA FESTA COM COPOS SEM COPOS COM SANDES SEM SANDES VAMOS ESQUECER A CRISE A PORTUGUES
    SEM FRENTE PORQUE TEMOS QUE GOZAR A VIDA
    RUI PEREIRA

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  3. Eu também marcho. Faço-o, sempre que posso, nos passeios marítimos de Carcavelos e Estoril/Cascais, no Parque das Nações, na Baixa Pombalina e noutros locais que nem vos passa pela cabeça. Só que não ganho prémios, ou melhor, ganhar ganho, mas são prémios de saúde e bem-estar. Tentem também. O problema é que vão viver mais tempo e, como sabem, isso não é bem visto pelo Governo e pela Troika.

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