€uro(s)


São quase cinco horas de uma tarde quente em Bruxelas e procuro a sombra de uma esplanada da Grand Place para acariciar o corpo com uma cerveja Orval.
Não posso saboreá-la dedicando-lhe o tempo que ela merece, avisaram-me no hotel que o acesso estará difícil pois o presidente François Hollande está para chegar. Para além disso há ruas cortadas e chegar ao aeroporto não será tarefa fácil. É dia de cimeira.
À porta do hotel recolho a minha mala e peço um táxi a um funcionário que me pergunta:
- Are you from Spain?
Respondo-lhe como gosto de responder, na língua de Camões:
- Não. Sou Português.
Responde-me então em “Portulhol”:
- Desculpe. Eu sou Argentino, falo Castelhano mas fique descansado pois não fui eu que ontem o afastei do Euro.
Sorrio com esforço a pensar de mim para mim:
- Olha este a lembrar-me daquilo que eu não me esqueço.
Sento-me na recepção do hotel entre polícias, cães de guarda e jornalistas.
Há uma mesa de recepção para a imprensa que tem em cima uma pequena bandeira Francesa. E reparo que do outro lado está outra semelhante mas com uma bandeira Alemã.
Sempre as duas.
Anseio pelo táxi.
Se o Hollande está para chegar, não me digam que a Merkel vem com ele?
Chega o táxi.
Entro, e ao fechar a porta, o compatriota do Messi ainda me atira:
- Foi muito azar. Vocês tinham uma boa selecção.
Devolvo-lhe finalmente a “simpatia” do “are you from Spain?” e digo-lhe:
- Pois temos. E temos o melhor jogador do mundo.
Toma e embrulha que eu tenho de me ir ao aeroporto.
O táxi vai lento na cidade entupida e preenchida pelos alarmes dos batedores.
Felizmente há taxistas que ouvem boa música e eu embalo nas recordações do jogo da véspera.
Foi de facto azar. É sempre assim nos pénaltis.
O Moutinho foi o jogador mais fantástico da Selecção e falhou, o Bruno Alves foi um lutador incansável e falhou.
São geniais que por serem humanos, falham.
Mas são bons, e por serem bons nos puseram bem dentro do Euro e por lá ficámos, tendo saído por azar e sem que alguém nos pudesse acusar de falta de mérito.
O tempo nas filas de trânsito é imenso e o taxista mete conversa e descobre que sou Português.
Não me pergunta pelo Euro do futebol mas pergunta-me pelos Euros que carregamos no bolso e de como está a situação por cá.
Falo-lhe do desemprego, dos jovens sem futuro, da falta de dinheiro para comer e viver de forma digna, da caótica situação das empresas…
Comenta:
- Hoje e amanhã, o nosso futuro passa pelas decisões “destes” que estão a chegar.
Respondo-lhe:
- Não tenho muitas esperanças. A crise segue em lume brando mas não há vontade de apagar o lume.
Concorda e reforça:
- Sim. É inevitável que haja países a sair do Euro.
E eu penso para mim:
- Outro a falar-me de Euros e de saídas… que perseguição.
Que fado e que enfado.
Será sina?
É que ainda por cima, por aqui estamos pior…
Se ao menos tivéssemos um Moutinho que nos pensasse o “jogo”, um Bruno Alves que nos defendesse e um Ronaldo que “concretizasse”?
Ainda poderíamos bater o pé aos “grandes”, ir às semi-finais e não sair por falta de mérito, mas…

Comentários

  1. Gostei muito desta cttónica, sobretudo da despedida lançada ao Argentino! É impressionante como sentimos o ambiente em que estivémos...emocionante! Imagino se tivesse chegado comigo áquela hora ao aeroport!!!!!!

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  2. Se não se destacaram pelo talento, venceram pelo seu esforço.
    parabéns a selecção
    Obrigado por esta linda cronica
    Rui Pereira

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