É quando os sonhos entram…



No final dos anos trinta do Século XX, a distância entre Vila Viçosa e Lisboa tinha a enorme dimensão de seis horas de comboio e de um Tejo sem pontes que obrigava a navegar. Era o tempo das cartas, e a distância tornava-se cruelmente inultrapassável para quem não sabia escrever.

O meu avô Joaquim falava de um irmão mais velho, de nome Francisco, que partira cedo para a capital e de quem souberam muito pouco: o nome das três filhas, alguns outros detalhes da sua curta história; e a data da sua partida, muito tempo depois de ter ocorrido e sem que conseguissem sequer vir ao seu funeral.

Ontem na sessão de apresentação de "A noite em que os sonhos não entraram", a Marisa, que é utente e funcionária na Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa, juntou o apelido Caeiro e Vila Viçosa, lembrou-se de um bisavô de nome Francisco e veio falar connosco. A minha mãe lembrava-se do nome de uma das suas primas, Maria Carolina, a avó da Marisa.

As palavras dão corpo aos sonhos e os sonhos descobrem as pontas perdidas das histórias de todos nós, atando-as de seguida no cumprir de um doce sentido.

Às vezes não sei porque escrevo assim tanto, e outras vezes torna-se tão fácil perceber porquê.

É como se as letras fossem flores que enfeitam os degraus do tempo.

E a noite é afinal uma ilusão que os poetas desmontam facilmente transformando a lua num sol de raios infinitos e empurrando as nuvens que se intrometam entre si e a vontade.

É quando os sonhos entram...

Um abraço especial a todos os que fizeram com que este livro fosse possível e que ontem vestiram de sorrisos uma tarde de chuva.

Muito obrigado.

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