Totus Tuus

Faz hoje precisamente 30 anos que o Papa João Paulo II visitou Vila Viçosa.
Etapa da sua visita a Portugal, um ano após o atentado na Praça de S. Pedro, em Roma, foi à sombra do “Pomar das Laranjeiras” que o Papa falou aos trabalhadores da terra durante uma Celebração da Palavra. Viviam-se ainda primaveras e verões mornos no período pós - Reforma Agrária.
Desde essa manhã de sol de Maio que Vila Viçosa passou a ser a única localidade do continente Português,a sul do Tejo, que foi visitada por um Papa, sendo a “nossa” Igreja dos Agostinhos, o único templo que no mesmo território, mereceu a singularidade da visita da figura máxima da Igreja Católica.
Foi um dia que ficou na história de Vila Viçosa e muito particularmente na história de cada um de nós.
Tínhamos começado cedo a preparar a visita, e sem dificuldade pois há séculos que nós Calipolenses, nos habituámos a receber visitantes ilustres.
Colocámos colchas em todas as janelas, brancas e amarelas, as cores do Vaticano na Avenida dos Duques de Bragança, brancas e azuis, as cores de Vila Viçosa, na Avenida Bento de Jesus Caraça e na Praça da República. Nas restantes janelas, colocámos as que melhores tínhamos independentemente da cor.
Espalhámos rosmaninho pelas ruas da Vila, o que associado à flor das laranjeiras e aos jarros e giestas com que estava decorado o altar, proporcionou a todos o melhor cheiro dos nossos campos.
Tocaram todos os sinos das nossas Igrejas na hora em que pela manhã os três helicópteros aterraram no Terreiro do Paço, num toque efusivo de uma festa jamais julgada possível. Por certo nem os nossos antepassados que fizeram subir os sinos aos campanários, nem nós que há tantos anos os ouvimos tocar, julgávamos possível que um dia as badaladas do seu repicar seriam sinal da chegada de um Papa.
Na véspera houve festa pela noite dentro, e o dormir e o descanso, ficaram para mais tarde quando o Papa já tinha partido. Com os meus amigos de sempre, montámos arraial na encosta do Castelo em frente à Caixa Agrícola e ao Correio, e juro-vos que quase não demos pela noite passar. Toda a noite, rezámos cantando, e fizemos aquilo que mais gostamos de fazer, rir.
Esperava-se uma multidão que afinal não foi assim tão grande, não se tendo concretizado as previamente identificadas oportunidades de negócio. Muita gente pensou que os peregrinos chegariam com fome e vai de montar bancas para vender centenas de sandes. Como a venda se ficou pelas poucas dezenas, houve comida em excesso para os animais nos dias seguintes. A única vítima mortal a lamentar desta visita foi até um célebre burro pertencente ao Senhor Galinho que tendo tido acesso a um grande recipiente onde as sandes amoleciam em água para lhe dar comida nos dias seguintes, as atacou todas de uma vez, tendo morrido embuchado.
Mas deixemos as histórias satélite e foquemo-nos no essencial.
O Papa falou de um altar montado na encosta em frente às Portas de Évora, para onde foi transportado o andor com a imagem de Nossa Senhora da Conceição. 336 anos depois de D. João IV ter coroado esta mesma imagem como símbolo da entrega do seu, do nosso Reino, à Imaculada Conceição da Mãe de Cristo, há uma Papa vindo da longínqua Polónia, o Papa do Totus Tuus a Maria, que lhe repete o gesto, entregando e confiando por certo à Virgem, o mundo nas conturbadas últimas décadas do século XX.
Para que conste na história, recebeu o Papa em Vila Viçosa, a segunda figura do Estado Português, o presidente da Assembleia da República, Dr. Oliveira Dias, tendo sido anfitrião maior e acompanhado Sua Santidade em todos os momentos na nossa terra, D. Maurílio de Gouveia, Arcebispo de Évora.
Foram oferecidos a João Paulo II, uma imagem em mármore da Senhora da Conceição, uma medalha em ouro, um capote, etc. O Papa ofereceu a Nossa Senhora um círio da Basílica Romana de S. João de Latrão.
Eu vi o Papa.
Já na descida da Avenida e no regresso ao Terreiro do Paço, junto à Casa dos Cantoneiros, e porque o carro que transportava o Papa era aberto, tive o privilégio de o ver a uns cinco metros de mim.
Tocou-me o seu olhar, e a serenidade que recordo até hoje.
A vibração do momento não foi dada apenas pelo histórico da ocorrência, é preciso entrar nos territórios da fé para lhe dar a dimensão devida, enorme.
Porque os santos serão sempre a expressão de Deus posta na vida dos Homens.

Comentários

  1. Era a sua primeira visita a Portugal, e, em quatro dias, o Papa percorreu o País, de Braga a Coimbra, de Lisboa a Vila Viçosa. A viagem, rodeada, como se percebe, de uma grande emoção, arrastou multidões como nunca se havia visto - só em Lisboa, na cerimónia no Parque Eduardo VII, compareceram quase meio milhão de jovens.
    RUI PEREIRA

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  2. Sei do que falas Quim.Passei a noite acordada aí em Vila Viçosa para a meio da manhã ver o meu,o nosso Papa.Chameio-o....e ele virou-se para mim.Até hoje e até sempre ,guardarei este momento.Como eu te entendo meu amigo.

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  3. Lembro bem esse acontecimento. Era seminarista no Seminário de S. José e fui eu, com um colega que carregamos do Seminário para o Santuário de Nossa Senhora, o círio oferecido pelo Papa. Vivi cinco anos em Vila Viçosa, ainda hoje me emociona ir até aí. Lembro amigos que não vejo há muito, lembro a minha promessa de escuteiro que fiz no agrupamento perto de S. Bartolomeu. Lembro a Zinha Duarte que foi minha madrinha. A propósito, fiz há dias a minha promessa de dirigente, no 543 da Cova da Piedade.

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