Campeões da ilusão

Em 1988 durante os Jogos Olímpicos de Seul, senti uma emoção enorme ao ver pela TV, em directo, aquilo que pensei ser o record do mundo dos 100 metros, com um todo poderoso Ben Johnson a bater a concorrência e a alcançar um tempo quase considerado impossível.
Quando dias mais tarde se provou que o Canadiano estava sob o efeito de substâncias dopantes, tendo sido desclassificado, jurei a mim próprio que jamais me deixaria “enganar”.
Mas neste tipo de decisões a memória é sempre curta demais porque há sempre em nós uma vontade de a contrariar, pela força de querer voltar a acreditar, de querer voltar a entrar no âmbito dos sonhos.
2004, Jogos Olímpicos de Atenas, ali estava um Português de coração, Francis Obikwelu, exactamente na final dos 100 metros, a intrometer-se entre os Norte-Americanos e a conseguir a medalha de prata.
Como não voltar a acreditar?
Eu encontrava-me de férias em Veneza e ali num café junto à Praça de S. Marcos, rodeado de Italianos aos gritos, como não voar eu também com o Obikwelu naquela pista que ainda por cima era na terra dos “vilões” que meses antes nos tinham vindo estragar a festa do nosso Euro?
É claro que acreditei. E mais uma vez…
As notícias recentes sobre utilização de substâncias dopantes em Espanha, pelos vistos a envolver muitos atletas de muitas disciplinas, coloca também alguma suspeita sobre o atleta Português fazendo pairar nuvens muito negras sobre as tão saborosas vitórias de uma carreira única entre nós.
E tudo isto me leva a pensar o que é hoje o desporto, me leva à percepção de que o desporto se despediu dos territórios do mérito para se instalar nos territórios do negócio, hipotecando assim a sua verdade e a sua grandeza.
Um atleta, seja ele do ciclismo, do atletismo ou do futebol, deixou de ter como objectivo a superação de si próprio e dos seus limites, para sem escrúpulos e a qualquer preço, conseguir superar os seus adversários, nunca movido pela honra, mas movido apenas pela ânsia de alcançar o melhor contrato, de conseguir mais e mais dinheiro.
E assim vale tudo.
Citius, Altius, Fortius continua a ser o lema só que hoje, mais longe é conseguir enganar a todos durante mais tempo, mais alto é atingir os níveis máximos de substâncias dopantes para não ser apanhado, alcançando-se assim a missão de ser mais forte, leia-se, ser mais rico.
O desporto virou mentira, transformou-se em ilusão.
E neste cenário não sei o que me resta, mas talvez ainda consiga alguma verdade se apostar em ir ver jogos para o Campo de Futebol de Vila Viçosa pois os atletas do meu “Calipolense” nos campeonatos distritais de futebol, só recebem como prémio umas sandes e uma Coca-Cola.
Mas mesmo assim, manda a prudência, ainda me vou certificar se o dito refrigerante é dado antes ou depois dos jogos, não vá dar-se o caso de algum golo que eu gritar, puder ser patrocinado pela cafeína presente na tão famosa bebida.

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