O Dia de Natal


Nunca saberei ao certo qual o dia em que no verão de 1966 e após o meu nascimento, a minha mãe saiu comigo pela primeira vez da nossa casa à Rua de Três, onde nasci, e cumpriu o preceito das mulheres de Vila Viçosa que sempre definem como meta desse primeiro passeio com os seus filhos, o altar da Senhora da Conceição, oferecendo-nos e pedindo protecção para a vida.
Um dia, um Rei, aqui, ofereceu um Reino, e as mães, dão continuidade ao seu gesto, oferecendo a sua melhor e mais infinita riqueza.
Hoje, Dia de Natal de 2012, quarenta e seis anos depois, subi ao Castelo para a Eucaristia, e sentado na mesma Igreja, envolto no conforto dos sorrisos e do afecto da minha gente, duvidei das quase cinco décadas que entretanto passaram porque nem a noção clara das minhas barbas brancas, me privou desta doce sensação de voltar a ser menino.
Talvez porque na casa e nos braços das nossas mães, somos eternos meninos.
Ou talvez por ser Natal…
E por ser Natal, passei grande parte da tarde com a minha mãe e o meu sobrinho João, a construir um Lego algo complicado do Sponge Bob. As dificuldades da montagem não resistiram a três gerações e ao fim de algumas horas concluímos com sucesso uma cápsula supersónica capaz de mergulhar nas mais profundas águas dos oceanos da Terra.
Acho que cedo nos demos conta de que a magia não estava na dita cápsula laranja que tinha centenas de peças pequenas, a magia esteve no privilégio de a minha mãe ter recuado 63 anos e eu 39, e nos termos encontrado com o João, todos os três, com 7 anos de idade.
E tudo, por ser Natal.
Ontem, ao abrir os presentes, deparei-me com uma surpresa fantástica. A minha prima Lurdes, cozinheira de profissão, escreveu-me num pano a receita de uma das minhas sopas alentejanas preferidas e que eu comia sempre em casa da nossa Tia Maria, a Sopa de Hortelã. A simplicidade será sempre o agente catalisador para o melhor da vida, e um pano branco preenchido pela sua caligrafia simples, devolveu-me por instantes o privilégio de reviver alguns dos melhores momentos da minha infância e adolescência.
E tudo, e mais uma vez, por ser Natal.
Quando hoje me sentei à mesa do café com os meus amigos, começando por falar de Sericá e acabando a discutir a situação política, fizemo-lo com o tempero do non sense que há muito criámos a partir das nossas cumplicidades. Já somos amigos há tanto tempo que até nos recordamos da altura em que alguns de nós ainda não sabiam falar de forma correcta.
E as cumplicidades e a amizade transformaram-nos a todos numa extensão das nossas próprias famílias, e o nosso encontro de hoje foi mais uma vez a nossa consoada, muito própria, pois não tendo filhós, tem o mais doce sabor das fortes e sinceras gargalhadas.
E hoje, estivemos mais do que nunca dispostos para a gargalhada, não tenho dúvidas, por ser Natal.
E o Natal, mais do que a memória do nascimento de um Deus que se fez Menino, é para mim tudo isto que hoje partilhei convosco, e que ouso agrupar sob o lema do nosso reencontro com a essência do que somos. E somos, de forma indivisível, nós próprios e todos aqueles que amamos.
A magia do Natal está e estará sempre assim, em nós, e soltá-la será sempre o segredo para sermos e estarmos felizes.
Oxalá não fosse apenas um só dia.

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