Um jantar perfeito


Conta-se que em Vila Viçosa há já alguns anos, dois amigos adolescentes resolveram preparar uma expedição à lua. Com a ajuda da caixa de um frigorífico, onde se colocaram juntamente com um gato de estimação e uma lata de salsichas que lhes facultaria o alimento, activaram umas acendalhas e uns restos de pólvora trazidos das pedreiras de mármore. O resultado foi tão explosivo que no instante imediatamente após, um deles terá mesmo questionado o outro sobre se já estariam em órbita, quem sabe mesmo, se já teriam comprovadamente o direito a se intitularem herdeiros do Neil Armstrong.
Ontem fomos vinte e cinco amigos à mesa do jantar.
Um subgrupo de oito elementos, com média de idades a rondar os doze anos, agarrou-se aos i-pads, i-pods, i-phones e a uns belos bitoques, e, todos eles se portaram como uns verdadeiros senhores.
O comportamento menos racional morou definitivamente ao lado.
O outro subgrupo, com uma média de idades a rondar os quarenta quase cinquenta anos, entre a vitela estufada e o cação de cebolada, resolveu fazer “viagem à lua” agarrando-se à propulsão facultada pelas mais “terríveis” memórias.
Éramos muito dados a teatros e não deixámos por isso de referir o célebre “Discurso do Tonecas” em que eu lamentava a mancha no vestido de seda lionesa da São, na mesma actuação em que a Manuela desviou de casa a peruca da mãe e a estola de raposa da avó, desconhecendo que as duas senhoras se apresentariam para ver a peça, facto que motivou uma conferência familiar segundos antes de entrarmos em cena.
Num teatro de Natal no Convento das Chagas, hoje a Pousada, a Paula fazia de paralítica e a Clara, quase sem forças, tinha que carregar com ela até que chegasse uma estrela e fizesse o milagre de a pôr a andar.
É claro que não deixámos de referir a mímica em que o Manuel, a fazer de Jesus Cristo, se apresentou com uma túnica para uma pessoa com metade da idade dele, tendo inovado e apresentado uma versão muito Mary Quant do primeiro Cristo em mini-saia.
E os telefonemas anónimos no Carnaval a pedir botijas de gás para gente que delas não necessitava, as bombinhas de mão cheiro, as rifas sem prémio, as cábulas no liceu, as partidas aos professores, as “loucas” festas de aniversário, os clubes dos cinco e dos sete, os rebuçados comprados na loja do Sr. João de Deus…
O resultado foi tão explosivo que, por alturas da sobremesa e quando nos demos conta, já tínhamos aterrado no futuro e estávamos todos a idealizar um lar de terceira idade feito à nossa medida para que todos possamos terminar os nossos dias em Vila Viçosa, mas em grande. Algálias Louis Vuitton, Próteses Dentárias da melhor qualidade e com Corega à discrição, Fraldas Aromáticas em versão gourmet, Andarilhos Hermés, Banhos em Channel nº 5, saídas à noite e bar aberto, tráfego ilegal de Viagra e visitas diárias ao SPA, serviços de maquilhagem e aplicação gratuita de bótox, foram apenas algumas das exigências legitimamente manifestadas.
É claro que tudo isto para nos facultar o brilho nas actuações do coro que vamos formar com a ajuda do maestro Manuel, a quem o impulso da demência o levará a cantar salmos cinquenta vezes por dia.
Faltava pouco para a meia-noite quando saímos do Ninho dos Cucos e estava tanto frio que rapidamente, entre luvas, samarras e gorros, voltámos ao presente, nos osculámos e nos despedimos até amanhã.
A vida passa de forma muito rápida, por vezes até parece que voa, mas os maiores amigos, são e serão sempre aqueles que connosco partilharam e viveram os sonhos.
Com eles, confundimos o passado, o presente e o futuro, porque jamais nos veremos a viver sem eles, aqueles que os afectos tornaram eternos em nós e que jamais o tempo ou distância poderão destruir. 

Comentários

  1. O passado é uma lição para se meditar, no futuro
    Rui Pereira

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  2. que jantar animado. espero que tenham guardado lugar para nós nos banhos de SPA e feito conta com no bar aberto... tive pena de não estar. pela descrição fui não só à lua mas, às lagrimas.

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