O parque temático


Dezembro é definitivamente um mês dado a balanços, e talvez por isso, no início do mês, a Ministra Cristas, que entre muitas outras coisas nos cuida do ambiente, revelou que no ano de 2012 se verificou uma melhoria da qualidade do ar.
Recusando-me a aceitar que tal fosse desde logo uma imediata consequência da implantação das rotundas concêntricas do Marquês de Pombal, que me põem os nervos em franja de cada vez que me desloco ao centro de Lisboa, busquei uma outra justificação oficial, e encontrei: a crise e o aumento do preço dos combustíveis.
A crise sufoca-nos mas definitivamente por outras vias que não os ares que respiramos.
Quase ao mesmo tempo, leio que Lisboa baixou três posições, de 41º para 44º lugar, no ranking de cidades feito com base na Qualidade de Vida que proporcionam aos cidadãos. A lista é encabeçada por Viena e na última posição, em 221º, aparece a “animada” cidade de Bagdad, no Iraque. O motivo para a queda de Lisboa: a crise e a convulsão social associada à mesma.
O lado lunar da crise definitivamente a matar qualquer nesga de sol que alguém queira inventar como nascida a partir da mesma.
Ainda a meio desta análise do impacto da crise, vejo no Facebook que alguns amigos se manifestam muito orgulhosos pelo facto de uma organização, a Globe Spots, recomendar Portugal como o primeiro destino de viagem para 2013.
E quando a esmola é grande…
Vou à procura do ranking de dez países e desde logo me apercebo que a seguir a nós estão: Moçambique, Quirguistão, Panamá, Arménia, Ruanda, etc.
Percebo então desde logo, e com todo o respeito pelos países envolvidos, que a sugestão se destina essencialmente a leitores da National Geographic, amantes de algum exotismo selvagem, e isso não me permite ficar muito contente e lisonjeado com o destaque.
Não resisto e leio a justificação:
“Portugal oferece o charme europeu. Tem cidades e bairros medievais com praças, igrejas e conventos. As ruas estreitas são definidas por casas antigas e com varandas de onde pende roupa a secar. Aqui, os vizinhos ainda discutem à janela, a vida dos outros e a política. As pastelarias e as tascas estão sempre tão cheias que desconfiamos se os Portugueses alguma vez comem em casa. Qualquer dia parece ser indicado para uma bebida e não se surpreenda se após alguns dias em Portugal, se vir numa pequena praça de alguma cidade com um copo de Vinho do Porto na mão, com independência de alguma vez ter programado tal aventura pois esta é apenas uma daquelas coisas que Portugal pode fazer por si.”
Com uma bebedeira contagiante, espreitamos por entre a roupa a secar nas janelas para dizer mal dos vizinhos e dos políticos, isto claro, no pouco tempo que temos para estar em casa, pois a maior parte do dia passamo-lo nos cafés e nas tascas.
Que belíssima imagem!
Aqui não se apontam culpas à crise mas é fácil deduzir que dizemos mal dos políticos por causa da dita, que bebemos para esquecer, e ninguém me convence de que aquela “boca” dos dias passados na tasca não tem mão da Merkel.
Fora algum milagre ou descoberta que nos faça virar a sorte, e o Santo Padre empenhado em escrever o Folheto Informativo do Presépio numa redacção ao melhor estilo pragmático dos Manuais de Instrução das Máquinas da Bosch, e que acabou de descobrir que afinal os Reis Magos eram oriundos da Andaluzia, bem que poderia descobrir que a Maria Madalena nasceu na Mouraria e ainda era prima afastada da Maria Severa…; a crise devolveu-nos ao estatuto que sempre nos foi atribuído.
Bons ares, boa comida, melhor bebida, um povo rabugento e atrasado a viver em cidades e bairros interessantes e com muita história, numa espécie de Parque Temático Medieval onde a pobreza é camuflada de típico numa exposição às objectivas dos endinheirados e muitas vezes pouco cultos que nos visitam.
Pela parte que me toca, recuso-me a aceitar este como o nosso destino, não me resigno e juro-vos que jamais desistirei de mudar este fado.   

Comentários

  1. Obrigado por me teres proporcionado mais uma gargalhada entre muitas outras :D É por estas e por outras, que é sempre um prazer passar aqui no Pomar e provar as sumarentas laranjas :D

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  2. E depois muitos me dizem que fiquei demasiado fascinado com a vida em Viena. Acredito que podemos chegar ao mesmo patamar mas não depende de políticos e de dinheiro, depende da atitude de todos nós, também não desisto deste país, mas estou a desistir de um povo que hoje já se esqueceu da história de Portugal.

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